quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Magarias (Amadú Dafé)

Magarias leva consigo os seus espíritos, que o seguiram quando um acto de desonra o obrigou a deixar para trás a sua terra e a deambular pelo mundo. Espíritos que o abandonarão também, na sequência de novas escolhas que o tornarão salvador de um povo cujos demónios ele mesmo ocultou e soberano dessa mesma gente posteriormente resgatada. Aí voltará a encontrar Sidjánia, testemunha do dia em que ele secou um rio, suma beldade e grande contadora de histórias. E, das histórias de ambos, nascerão novos feitos heróicos e acasos - ditados por espíritos secretos - capazes de dar forma a novas desonras...
Não é propriamente fácil falar deste livro, pelo menos no que ao enredo diz respeito, pois, se os protagonistas facilmente se identificam, já a linha das suas histórias e da forma como os seus percursos se entrelaçam é tudo menos linear. Ao longo do livro, há avanços e recuos temporais, acontecimentos cuja única explicação possível é o sobrenatural e mistérios e relações que permitem várias interpretações. E, assim, a primeira impressão é de perplexidade, de uma estranheza que se prolonga ao longo de todo o livro e que, ainda que assente num ritmo muito próprio, deixa, ainda assim, mistérios por desvendar.
Trata-se de um livro surpreendentemente complexo, principalmente tendo em conta as suas pouco mais de cento e trinta páginas. E o mais curioso é que, apesar de toda esta estranheza e de todas as peculiaridades inerentes a história, personagens e contexto geral, também o ritmo da narrativa acaba por se tornar estranhamente cativante. Parecendo fluir ao ritmo da memória - ou da inspiração de um contador de histórias - o enredo avança e recua entre tempos, lugares e pensamentos. Mas há algo de fascinante neste desvelar de memórias e, principalmente, nos momentos inesperadamente marcantes que, aos poucos, emergem da estranheza dos costumes. E é isso, principalmente, que fica na memória: a de um mundo inevitavelmente estranho, mas onde os sentimentos essenciais acabam por ser os mesmos.
Não é propriamente uma leitura compulsiva, pois os muitos pormenores invulgares, bem como as mudanças que parecem percorrer a vida das personagens, exigem tempo e concentração para serem assimiladas. Ainda assim, a leitura nunca deixa de cativar, em parte pela aura de mistério que resulta de toda a estranheza envolvente, mas principalmente porque, à medida que as personagens se tornam familiares, aumenta a curiosidade em saber mais.
Breve, mas estranhamente fascinante e de inesperada complexidade, trata-se, portanto, de um livro surpreendente, em que os enigmas das personagens parecem moldar o caminho de um mundo igualmente misterioso. Intrigante e invulgar, uma boa surpresa. 

Título: Magarias
Autor: Amadú Dafé
Origem: Recebido para crítica

Sem comentários:

Enviar um comentário