Anos de luta constante, de violência e de guerra valeram-lhe uma reputação indescritível. O Berserker. O Rei Mestiço. Há até quem lhe chame morte. Agora, porém, finalmente de regresso a casa, descobre que a morte chegou primeiro, não para o levar, mas àquelas que mais amava. O que lhe resta então, depois de tudo perdido? Lutar? Morrer? Ou... fugir? Não sabe o que o move a, pela primeira vez, fugir do perigo... tal como não sabe o que o espera. Uma misteriosa caverna transporta-o para um outro mundo, onde não compreende os modos nem a linguagem, mas onde os seus inimigos o perseguem. Ainda assim, talvez não esteja tão só como julga... e a amizade possa vir dos lugares mais improváveis.
Ao começar a ler uma história de bárbaros, esperam-se, talvez, muitas coisas, mas emotividade não será certamente uma delas. E é este magnífico ponto de partida que, desde as primeiras páginas, se entranha na memória com toda a força de um choque, conduzindo-nos depois numa jornada que tem, sim, também tudo aquilo que esperaríamos de uma história de bárbaros - grandes lutas, sangue quanto baste e uma certa e inevitável implacabilidade - mas também uma profunda humanidade. Das dúvidas interiores do protagonista aos laços familiares destroçados, passando pela estranha e encantadora amizade que se vai formando ao longo do livro, a verdade é que as páginas transbordam de sentimento, o que, além de inesperado, é qualquer coisa de genial.
Outro aspecto que é impossível não notar, após uns quantos livros com o nome de Jeff Lemire, é a forma como cada história assume uma identidade própria - salientada, naturalmente, por um estilo de arte sempre distinto - sem nunca perder de vista a já tão enfatizada emoção. Cada mundo é um mundo diferente e todos têm o seu quê de brilhante. Este tem uma voz poderosíssima na figura do seu protagonista e um equilíbrio fascinante entre o improvável e o universal.
Mas voltemos ainda ao Berserker para salientar que, embora seja a emoção a grande surpresa, a história está muito longe de se esgotar aí. As cenas de combate estão cheias de movimento, a caraterização dos inimigos cheia de peculiaridades (há, aliás, uma expressão na fase final que fica na retina bem depois de fechar o livro) e existem mútliplos mistérios para desvendar. Escusado será dizer que ficam perguntas sem resposta - é apenas expectável num mundo como este. Mas é tão forte o impacto dos grandes momentos e tão estranhamente fascinante a empatia que esta história desperta que tudo o resto se torna secundário. Além disso, dado o envolvimento da névoa... bem, é adequado que certos aspectos permaneçam nebulosos.
Surpreendentemente emotivo, visualmente belíssimo e com um equilíbrio notável entre a fúria do guerreiro e o desamparo do pai, trata-se, pois, de uma história tão marcante quanto surpreendente. Intensa, memorável e, a espaços, absurdamente comovente, uma magnífica surpresa.
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