sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Clepsydra (Camilo Pessanha)

De ritmos e de cadências, de uma contemplação exterior que é um reflexo do interior, de nuvens melancólicas que pairam sobre um mundo de amor e sombra e de uma paisagem íntima que se estende em imagens inesperadas: de tudo isto é feito este livro, com tantas formas diferentes, mas a mesma alma, a mesma voz.
Antes de olhar para a poesia propriamente dita, importa, neste caso, olhar com especial atenção para os textos complementares, que, embora caraterísticos desta coleção, e acrescentando sempre algo de novo, são particularmente relevantes no caso deste livro, pois tem uma história muito específica que o torna por natureza indefinível. É um dos raros casos em que a forma assume uma importância independente do conteúdo, pois tem também um trajeto específico, e compreendê-lo torna a leitura mais esclarecedora.
Passando à poesia em si, é difícil destacar aspetos particulares num tudo que é - tendo em conta a já referida história - surpreendentemente coeso. Tudo pertence, tudo faz sentido, há laços a ligar os diferentes poemas. E há, como seria de esperar, uns que deixam marcas mais fortes do que outros, que criam laços emocionais mais profundos. Mas em tudo há beleza, melodia, fluidez, ritmo. E esse equilíbrio perfeito torna a leitura simplesmente memorável.
Curiosamente, nem só da Clepsydra vive este livro, pois inclui também as traduções feitas pelo autor de vários textos chineses. E também neste aspeto sobressai o contraste: é que as vozes não podiam ser mais diferentes, mas a vaga sensação de que tudo pertence mantém-se perfeitamente sólida, como se a criação e a tradução se complementassem.
É um livro que dispensa apresentações, até porque vários dos poemas que o compõem são sobejamente conhecidos. Mas esta leitura sequencial, coesa, contextualizada deixa uma impressão marcante: a de uma redescoberta de algo familiar mas novo, mais completo, mas igualmente belo. E sempre inesquecível.

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