A Mãe mudou-se para a gaveta e, a partir daí, também a vida mudou. Agora, presa numa guerra que ela própria acolheu, sabe que precisa de enfrentar a sua própria mortalidade e encontrar respostas que não imagina que conhece já. Mete-se, pois, um avião e parte, sem saber que, no deserto, a aguarda algo que sempre conheceu - e uma verdade que, combatida por muitos, não deixa por isso de ser verdadeira. A descoberta é, acima de tudo, de si mesma. Mas, quando voltar, será ainda a mesma pessoa?
Provavelmente o aspecto mais fascinante deste livro - e tem-nos em abundância - é a peculiaridade da voz. Para a sua enigmática protagonista, a autora constrói um percurso de enigmas e fá-lo num registo situado algures entre a introspecção e a revelação, voltado ora para o interior, ora para o passado, ora para algo de indefinível e intemporal. E tudo é estranho, mas tudo flui com naturalidade, a um ritmo onde cada frase memorável abre caminho a novas revelações.
Há como que uma fluidez que parece imitar os pensamentos da protagonista, partindo das recordações da infância e de uma perda profundamente sentida, para depois se abrir a um mundo mais místico, feito de fé e de mistério, de revelações que conduzem depois a um regresso mais sábio. Quotidiano e espiritualidade fundem-se num equilíbrio delicado e, quando os elementos místicos surgem de forma inesperada, parecem ainda assim estar no lugar onde pertencem. Tudo pertence, aliás, ao embalo da história - e é isso, mais que as respostas dadas ou implícitas - que fica na memória uma vez terminada a leitura.
Claro que os elementos místicos - e a forma como surgem - acrescentam também um foco de estranheza. Mas, longe de quebrar a fluidez do enredo, acrescenta-lhe uma nova envolvência, pois é colocada num ambiente estranho que a protagonista faz as maiores descobertas. Além disso, essa espécie de rito de passagem dá a tudo o resto um novo matiz, tornando a história mais vasta e mais marcante o percurso pessoal.
História de mistério e de estranheza, trata-se, pois, de um livro surpreendentemente natural, quer pelo percurso da protagonista, quer pelas revelações que esse caminho lhe traz. E, cativante pelo caminho e pela escrita, consegue surpreender sem grandes choques, mas antes numa jornada de revelação. Belo, cativante, surpreendente... muito bom.
Título: Da Gaveta
Autora: Isabel Tallysha-Soares
Origem: Recebido para crítica
Apetece-me ler...
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