quinta-feira, 31 de maio de 2018

O Poder (Naomi Alderman)

Começa com manifestações fugazes, mas não tarda a revelar-se em toda a sua força. As raparigas adquiriram um poder estranho que lhes permite causar dor com os seus impulsos eléctricos. E eis que todo o sistema do mundo muda. Além de poderem defender-se, não tardam a descobrir que são agora o género mais forte. Além disso, podem passar o poder às mais velhas. Não tarda, pois, a que o mundo se molde à sua imagem. Novos governos, uma nova religião, novos conflitos e novos grupos de rebeldes. E um mundo que, moldado à imagem de novos interesses, se encaminha lenta, mas firmemente, para a catástrofe...
Acompanhando várias protagonistas que, com diferentes estatutos e posições, têm, todos eles, um papel fulcral neste caminho de mudança, este é um livro simultaneamente fascinante e assustador. Fascinante pela forma, como, invertendo o cenário global, reflecte um vastíssimo conjunto de questões pertinentes sobre questões de género, regimes políticos e as possibilidades destrutivas do conflito em geral. E assustador pelo modo como, apesar de tudo o que é diferente, contém ideias e comportamentos com claros paralelismos com o mundo real. 
É incrivelmente fácil entrar nesta história. E, uma vez lá dentro, é impossível deixar de a acompanhar. Como acontece, aliás, com a evolução do próprio enredo. Tudo começa com uma pequena mudança que desencadeia grandes revoluções. E este percurso imprevisto, mas inevitável, é todo ele uma marcha de mudança e de revelação, em que os fracos se tornam fortes, mas não necessariamente melhores, e em que tudo é muito mais complexo do que uma simples definição de actos - ou de lados - certos. E é um mundo vastíssimo, que abrange guerras, crenças, traições pessoais e globais, movimentações de interesses políticos e manobras do submundo do crime. 
Há todo um universo neste romance - um universo vasto, complexo e de contornos bastante sombrios, mas profundamente real e profundamente perturbador. E o que o torna tão impressionante é, mais ainda do que a complexidade e o equilíbrio das múltiplas facetas do cenário, a vida e a evolução das personagens. Cada uma com o seu percurso, e todas com os seus pontos de convergência, vivem também, à sua maneira, uma revolução pessoal. E também nestas há conflito e descoberta e traição e fé - num caminho que culmina em grandes e surpreendentes revelações.
E depois há a forma, e o modo como se ajusta perfeitamente ao conteúdo. A uma escrita envolvente e capaz de elevar ao máximo o impacto de cada momento, juntam-se os artefactos, as comunicações que colocam a história num possível contexto global mais vasto. E há ainda o crescendo de intensidade que, gradual mas firmemente - como o poder que dá nome ao livro! - começa a insinuar-se desde o início e culmina num final verdadeiramente avassalador. Final esse que, sendo tudo menos limpo e previsível, se adequa na perfeição aos meandros de um mundo em mudança.
Intenso, complexo, perturbador e pertinente. Magnificamente escrito, com uma história poderosíssima e um cenário global tão único quanto transponível para as questões do nosso tempo. E cheio de momentos de grande impacto - de perigo, de tensão, de emotividade - capazes de marcar tanto as personagens como o leitor que, incauto, as acompanha. Brilhante será, pois, uma boa palavra para descrever este livro. Brilhante e maravilhoso.

Título: O Poder
Autora: Naomi Alderman
Origem: Recebido para crítica

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