Thandi cresceu entre dois mundos e, talvez por isso, sente que não pertence a nenhum. Criada na Pensilvânia, mas com raízes familiares na África do Sul, parece mover-se nos intervalos que as divisões raciais criaram e, por isso, não consegue deixar de se sentir diferente. E, quando a doença se abate sobre a mãe, Thandi começa a ver ainda uma outra faceta do mundo: a sombra da perda, a dor, o silêncio, a certeza de que a vida continua - mas sem explicações para o como. Dividida entre quem é e o que esperam que seja, tenta construir a sua vida à sombra da perda... mas a vida nunca se faz de apenas uma perda.
Narrado em pequenos fragmentos e oscilando entre o que parecem ser diferentes fases da vida da protagonista, este é um livro que marca mais por impressões do que propriamente por acontecimentos. Há muito a acontecer, na verdade - Thandi cresce, começa a descobrir-se, alimenta relações que depois se desfazem, regressa às origens, interage com a família, perde, ressente-se, perdoa. E, no entanto, é a forma como a protagonista lida com tudo isto que realmente cativa: as suas introspecções, o caminho emocional que percorrer, até mesmo a forma como analisa (ou tenta analisar) racionalmente as realidades da vida que a rodeia... Mais que os acontecimentos em si, são estas análises e percepções emocionais que ficam na memória, moldando a imagem de uma protagonista cuja vida interior é muitíssimo mais vasta que a exterior.
É certo que, por vezes, este registo fragmentário deixa sentimentos ambíguos, pois, uma vez que os acontecimentos acabam por ficar, de certo modo, na sombra, fica também uma certa curiosidade insatisfeita sobre a vida das outras personagens para lá da sua relação com Thandi. Faz, porém, um certo sentido que assim seja, pois, sendo um relato tão profundamente pessoal - e visto da perspectiva da protagonista - é natural que o mundo as coisas sejam vistas como que em função dela. Além disso, esta distância pode esbater um pouco os contornos das outras personagens, mas não retira força às relações. Relações estas que, no seu nítido contraste com a solidão interior, vêm também realçar a complexidade da vida emocional de Thandi.
E há ainda um outro aspecto peculiar. É que, apesar de ser essencialmente uma historia de crescimento interior, há várias questões relevantes ao longo deste livro, não só no que diz respeito à mortalidade e às formas de lidar com a perda de um familiar, mas também nas questões raciais e da história da África do Sul. A visão é, claro, parcial - moldada pelas percepções da protagonista. Mas não deixa de ser bastante certeira e de despertar várias questões pertinentes.
No fim, fica a impressão de uma história profundamente pessoal, mas também de um olhar aberto ao mundo. Uma história de perda e de continuidade, em que nem todas as respostas são claras - e há também coisas que não têm respostas - mas tudo tem o seu lugar e o seu impacto no cenário global. Complexo, pertinente e com uma escrita muito cativante, uma boa leitura.
Título: O Que Perdemos
Autora: Zinzi Clemmons
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário