«A cidade está em estado de choque. Tudo acaba de acontecer. Tudo está a acontecer. As pessoas sentem-se apavoradas e inseguras. E esfomeadas, doentes, revoltadas. A minha presença é para elas, de algum alucinado modo, uma esperança. Imaginam que possa trazer ajuda, transmitir as suas carências às autoridades, às organizações humanitárias, aos estrangeiros. A que mais se podem agarrar? Todos querem deixar o nome e um número de telefone, uma marca pessoal, concreta. E uma pista. Temem esfumar-se, promiscuamente, na catástrofe indiscriminada.»
O Estado Islâmico é, provavelmente, de todas as realidades do século XXI, a mais difícil de compreender. Talvez um dos maiores desafios de sempre. Nas regiões que controla é impossível entrar. Um jornalista só chega quando os jihadistas já partiram, ou foram aniquilados. Chegando antes será ele aniquilado fisicamente ou, se não fisicamente, decerto como jornalista. O Estado Islâmico é uma imagem que se desvanece quando lhe tentamos tocar.
Eu quis aproximar-me o mais possível.
E foi ali, em Mossul, em noites de calor escaldante, moscas, cavalos e cães selvagens, que escrevi este livro. Quando cheguei a Lisboa editei, acrescentei, organizei o texto, mas o lugar da escrita, o ponto de vista, a minha casa, foi ali, rente ao palco do massacre, na fornalha de Julho e da guerra.
Paulo Moura, escritor e repórter nascido no Porto, estudou História e Jornalismo e, durante 23 anos, foi jornalista do Público. Exerceu funções de correspondente em Nova Iorque e de editor da revista Pública, e tem feito reportagens em zonas de crise por todo o mundo. Fez a cobertura jornalística de conflitos no Kosovo, Afeganistão, Iraque, Tchetchénia, Argélia, Angola, Caxemira, Mauritânia, Israel, Haiti, Turquia, China, Sudão, Egipto, Líbia e muitas outras regiões, ganhou vários prémios (Gazeta, AMI, ACIDI, Clube Português de Imprensa, FLAD, Comissão Europeia, UNESCO, Lettre Ulisses, Lorenzo Natali, etc.) É professor de jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, e autor de nove livros, entre os quais a Biografia de Otelo Saraiva de Carvalho, Passaporte para o Céu - um relato sobre a imigração ilegal de africanos para a Europa, Longe do Mar - uma viagem pela Estrada Nacional 2, Extremo Ocidental - uma viagem de moto pela costa portuguesa, de Caminha a Monte Gordo, e Depois do Fim - a crónica dos Primeiros 25 anos da Guerra de Civilizações, livro que venceu, por unanimidade, o Grande Prémio de Literatura de Viagens Maria Ondina Braga.
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