Varsóvia. O
mundo está a ficar mais negro – principalmente para os judeus. Apesar de
apaixonados e com a família e as suas vidas ali perto, Misha e Sophia precisam
de fugir antes que seja tarde demais. Mas o caos está a espalhar-se por toda a
parte e eles não tardam a descobrir que não têm alternativa a não ser regressar
ao gueto. Dentro das suas paredes, há fome e medo – embora haja ainda uma
centelha de esperança na forma de Janusz Korczak, com o seu refúgio para
crianças. Mas os nazis têm outros planos e, ainda que ninguém no interior do
gueto saiba realmente o que se passa no exterior, a verdade não tarda a
tornar-se conhecida. Ninguém está a salvo, nem mesmo as crianças. E a
sobrevivência – para os poucos que a conseguirem alcançar – terá um preço.
Um dos aspectos mais impressionantes deste livro é o facto
de, apesar de seguir um grupo específico de personagens principais, traça um
retrato global bastante preciso da situação da época. Baseado em factos
verídicos e personagens reais, não conta apenas a história de Janusz Korczak e
das suas crianças, ou de como Misha e Sophia sobreviveram. Conta a história do
gueto, a história do medo e do desespero e do sofrimento contidos no interior
das suas paredes. E ainda que, ao seguir todos estes elementos, a história se
torne mais ampla – e, às vezes, um pouco mais distante, pois há inevitavelmente
perguntas que ficam sem resposta – é tal o impacto das circunstâncias
retratadas que a história se torna impossível de esquecer.
Outro aspecto bastante fascinante é a forma como a autora
consegue pegar num momento tão negro da história e, ainda assim, para lá do
medo e da brutalidade, mostrar fragmentos de amor e de decência. Korczak e a
sua forma de pensar, a luz do seu refúgio no mais negro dos momentos. E as
pessoas que, nas mais terríveis circunstâncias, se atrevem, ainda assim, a
correr riscos para fazer o que está certo. O mundo não é a preto e branco,
mesmo quando é fácil reconhecer o mal. E isso é bastante óbvio nesta história e
nos seus momentos de tribulação e de esperança nos mais sombrios momentos.
Além disso, também a escrita contribui para a sensação de
ver o mundo pelo olhar das personagens. Ao contar as verdades mais difíceis ao
ritmo das perceções dos protagonistas, a autora transporta para os seus
leitores o mesmo impacto de cada revelação. E, nos momentos mais perigosos, ou
nos mais desesperados, o choque, a surpresa e o desespero sentidos aumentam ao
vê-los tal como são materializados nas mentes e corações das personagens.
Não é uma leitura fácil. Não poderia, com uma tal história
por base. Mas é, sim, relevante, perturbadora e, acima de tudo, impressionante
no seu retrato de um dos momentos mais negros da história – e dos pequenos
laivos de esperança que, mesmo em tais circunstâncias, têm ainda de existir.
Uma história para recordar, portanto. Um livro para recordar.
Título: The Good Doctor of Warsaw
Autora:
Elisabeth Gifford
Origem:
Recebido para crítica
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