segunda-feira, 16 de julho de 2018

1001 Coisas que Nunca te Disse (Catarina Rodrigues)

Era um amor que devia durar para sempre... até ao dia em que acabou. E Sara pode ter sido enganada, mas o amor ficou, ainda assim, para lá da revolta e do ultraje. Por isso, movida pelo desgosto, começa a escrever cartas. Cartas a David, que nunca as lerá. E, nessas cartas, revisita a sua história, não só do amor que partilharam, mas também da infância e da vida que a moldou tal como é e da vida que veio depois de David. Porque em tudo pode haver uma aprendizagem e, teimosa e determinada, Sara não está disposta a deixar-se derrubar. Muito menos pelos seus próprios sentimentos.
Parte romance e parte introspecção, este é um livro feito de uma mistura de normalidade e de surpresas. Normalidade, porque grande parte da história é feita das coisas normais da vida: paixões, vida profissional, saídas com amigos, pequenas e grandes perdas, desgostos e superações. Surpresas, porque há todo um passado difícil na sombra da protagonista e um conjunto de revelações que, pelo impacto com que surgem, não deixam de ter um efeito de choque.
Não é uma história linear. Escrita maioritariamente na forma de cartas da protagonista, oscila entre diferentes pontos das suas memórias, percorrendo ainda longas reflexões e perspectivas. É, por isso, uma história pessoal e, às vezes, contraditória, pois a forma como Sara vê o mundo é imperfeita - como o são todas. Tem uma visão única e só sua - mas cai, por vezes, nas inevitáveis generalizações. Percorre um caminho de superação, mas acaba por cair nas inevitáveis repetições. E o resultado são sentimentos contraditórios, pois nem sempre é fácil entender as suas escolhas e a sua visão do mundo. Mas também uma certa impressão de realismo - pois, na história como na vida, opiniões e perspectivas são algo em constante mutação.
Fica também muito em aberto, não só sobre a vida de Sara depois desta longa relação interna com o seu próprio desgosto de amor, mas também sobre certas partes do passado, principalmente a vida familiar. E, claro, é inevitável a curiosidade insatisfeita, pois há muito nessa parte da história a gerar tensão e possibilidade. Mas também faz um certo sentido que assim seja, não só porque a Sara que escreve as cartas está a lidar com dificuldades mais recentes, mas principalmente porque a intenção da própria protagonista é afirmar-se como mais do que o seu passado.
Tudo somado, fica a impressão de uma leitura cativante e surpreendente, apesar das suas voltas e contradições. Com uma escrita envolvente e um registo pessoal, uma história única, mas que permite vários pontos de identificação, e por isso mesmo mais viva e equilibrada. Interessante e bem escrita, uma boa leitura, em suma.

Autora: Catarina Rodrigues
Origem: Recebido para crítica

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