domingo, 11 de fevereiro de 2018

Semente de Bruxa (Margaret Atwood)

Felix encontrou no seu trabalho no teatro a paixão de uma vida - e o refúgio possível depois de uma grande perda. Mas nem todos aqueles em quem confia são dignos dessa confiança e eis que, quando se preparava para levar ao palco a sua grande obra, a encenação de A Tempestade que podia dar nova vida à sua filha perdida, o seu homem de confiança faz com que Felix perca o seu trabalho. Derrotado, resta-lhe uma única opção: retirar-se da vida que tinha e encontrar uma forma de levar a cabo os seus dois únicos objectivos: encenar a sua versão de A Tempestade e vingar-se daqueles que o destruíram. A oportunidade surge-lhe da mais inesperada das formas: levando Shakespeare e as suas grandes lições para dentro dos muros de uma prisão. Mas não estará o próprio Felix também preso à sua vingança?
Sendo este livro a recriação de uma das peças de Shakespeare (como é, aliás, a premissa desta colecção) são apenas expectáveis os paralelismos, os pontos comuns entre peça e romance. Mas Margaret Atwood eleva esta recriação a um outro nível: a história é uma reconstrução da peça, mas contém também a peça no seu interior e também as suas personagens constroem a sua própria recriação. Aqui, Shakespeare é mais que a inspiração: está em toda a parte. E a forma como a autora consegue equilibrar estas múltiplas perspectivas - Felix enquanto novo Próspero, Felix como encenador de uma versão sua da peça, as várias adaptações por parte dos reclusos - é algo de simplesmente brilhante.
E, sendo embora uma recriação de A Tempestade, não é preciso ter lido a peça para entender tudo. Primeiro, porque o livro inclui um breve mas esclarecedor resumo do enredo original. Mas principalmente porque, através dos planos de Felix e dos preparativos para a encenação da peça, os pontos comuns tornam-se fáceis de assimilar e tudo flui como uma estranha e deliciosa simbiose. Não haveria vida neste livro sem Shakespeare - mas há mais vida para além dele.
Mas deixemos, por um instante, a sombra do bardo. Por mais dominante que seja a sua presença, esta não é uma história sobre Shakespeare. Nem sobre Próspero, aliás. É a história de Felix, da sua Miranda, de uma vida destruída e movida à vingança, mas também com um imenso potencial de redenção. E a forma como a autora conta esta história, realçando ao mesmo tempo forças e vulnerabilidades, num ritmo intenso, mas que nunca perde de vista os estados de espírito mais sombrios e melancólicos, é algo de fascinante. É incrivelmente fácil entrar nesta história, criar laços com as personagens, torcer para que tudo corra como deve correr e... e, bem, chegar ao fim com a sensação de que tudo acabou precisamente como devia.
E é, talvez, isto o melhor que se pode dizer deste livro: tudo é exactamente como deve ser. Desde a escrita às personagens e ao desenvolvimento do enredo, passando pela forma como as várias facetas da história se interligam num misterioso e delicado equilíbrio e pelas pequenas e discretas presenças que, afinal de contas, tudo mudam, tudo tem o seu lugar e preenche-o com toda a mestria. E é isso, acima de tudo, que molda beleza e fascínio e magia neste livro. E assim o torna perfeito... naturalmente. 

Título: Semente de Bruxa
Autora: Margaret Atwood
Origem: Recebido para crítica

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