Começam a ganhar forma os verdadeiros contornos do que se esconde no Celeiro Negro. Um poder que se manifesta através de portais, que abre caminho para diferentes tempos e cidades e que, mais perto ou mais longe do centro, espalha caos e morte onde quer que se manifeste. Foi a necessidade de parar essa entidade assassina que fez com que um padre cruzasse o espaço e o tempo em busca de respostas, preparando-se para algo ainda impossível de abarcar, mas moldado na certeza de que algo vai acontecer. E essa mesma entidade que move tempos e mistérios - abrindo caminho a um regresso que é tudo menos inofensivo.
Provavelmente o aspecto mais marcante desta série, e particularmente deste terceiro volume, é a sua singularidade. Tudo é peculiar neste livro, desde a história pessoal das personagens à teia cada vez mais complexa de acções, lugares e momentos que define toda a situação, passando, naturalmente, pelos acontecimentos propriamente ditos e, sobretudo, por uma componente visual que é tudo menos previsível.
E é precisamente a arte o que mais impressiona neste livro tão cheio de surpresas. A cada vez mais óbvia presença do sorriso na escuridão realça e fortalece o elemento de horror que, desde o início, vinha a insinuar-se. Os tons de vermelho e negro - do celeiro, da expressão da entidade, da morte que vai alastrando - realçam a dimensão das sombras que envolvem este mundo. E o contraste entre as múltiplas Gideon Falls - cidade moderna, aldeia pacata, localidade aparentemente arrancada a um western, fortaleza orwelliana - reforça o imenso enigma dos laços e barreiras entre os múltiplos tempos e espaços abrangidos pelo celeiro.
Mas nem só da arte vive Gideon Falls e há na precisão dos diálogos um impacto poderosíssimo. Das múltiplas afirmações ambíguas ao longo da perseguição do bispo à forma como (principalmente nas últimas páginas) uma única palavra parece adquirir sentidos tão distintos, cada frase proferida acrescenta novas possibilidades. Além disso, tendo em conta que muito continua a ficar em aberto - já que todo este volume foi uma expansão em termos de complexidade - o tão presente conceito de casa consegue ser, simultaneamente, o fim adequado de uma fase e a promessa de consequências muito mais complexas.
Mais vasto, mais complexo, mais surpreendente ainda do que os volumes anteriores, eis, pois, um novo crescendo para uma série cuja intensidade era já avassaladora. Visualmente impressionante, notavelmente certeiro nas palavras e fascinante nas complexidades a que dá forma, uma leitura viciante e ainda mais imperdível do que as anteriores.
Título: Gideon Falls, vol. 3: Via Sacra
Autores: Jeff Lemire, Andrea Sorrentino e Dave Stewart
Origem: Recebido para crítica
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