terça-feira, 15 de setembro de 2020

Lockdown - Inimigo Invisível (Peter May)

O impensável aconteceu. A cidade de Londres encontra-se em quarentena, na sequência da pandemia de gripe das aves que, subitamente, começou a matar grande parte da população. Mas o isolamento não trouxe consigo o fim dos mistérios - muito pelo contrário. E, quando os ossos de uma criança são encontrados no local onde, dentro de poucas horas, será construído um hospital, cedo se torna evidente que há quem, na cidade, tenha muito a esconder. Cabe agora ao inspector Jack MacNeil, no seu último dia de trabalho, encontrar respostas e dar à menina morta a justiça possível. Ainda que isso implique deixar para segundo plano as suas próprias perdas.
Tendo em conta os dias que vivemos actualmente, não é propriamente uma surpresa que o que mais cativa neste livro seja a sua premissa. Vivemos recentemente o isolamento em resultado de uma pandemia e uma das coisas que este livro nos consegue lembrar é quão facilmente as coisas poderiam ser ainda muito piores. Assim, mais do que o mistério em si, com todo o perigo e acção associados, é este lado emocional que fica na memória: a opressão do isolamento, o sofrimento indescritível da perda, a resignação à omnipresença da morte. Mais do que tudo o resto, é isso que fica na memória.
Mas houve um crime e há um mistério, e também neste aspecto há muito para desvendar. Se o início desperta uma grande empatia pela menina morta, a sucessão de revelações traz à tona outro tipo de sentimentos, além de uma grande e - tendo em conta o contexto - revoltante intriga. Cada nova descoberta vai acrescentando novas peças ao puzzle, num crescendo de intensidade feito tanto da descoberta da verdade como de uma sucessão de conflitos pessoas que tornam tudo mais intenso.
E é por as derradeiras respostas serem tão revoltantes que fica uma ligeira curiosidade insatisfeita relativamente às consequências mais globais, ainda que figura central encontre um destino mais que adequado. Seria, talvez, interessante conhecer mais a fundo as repercussões globais da grande revelação no cerne deste livro. Faz, ainda assim, um certo sentido que a história termine da forma como o faz: afinal, grande parte do percurso foi movido por objectivos pessoais e, tendo isto em conta, também a conclusão parece adequada.
Somadas as partes, o que fica deste livro é, pois, uma impressão bastante notável, com o seu enredo construído há quinze anos, mas mais actual do que nunca, e com as muitas questões pertinentes que, gradualmente, emergem do seio do mistério. E é isso que o torna memorável: a capacidade de trazer verdade a partir do caos... ainda que não uma justiça absoluta.

Autor: Peter May
Origem: Recebido para crítica

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