Escolhida pela sua beleza para a realização de um novo festival literário, a ilha de Moçambique acaba por se revelar princípio e fim de coisas muito diferentes. E tudo começa sem ninguém dar conta, com uma tempestade que parece não os ir alcançar, mas que os deixa isolados do mundo durante vários dias. É neste contexto que os vários escritores envolvidos, entre os quais o já conhecido Daniel Benchimol, começam também a viver e a reviver coisas estranhas. As suas personagens parecem ter fugido das páginas dos livros, deambulando pela ilha isolada e despertando emoções fortes. Mas quanto do que este grupo de escritores está a viver é real e quanto é fruto da sua imaginação? E haverá realmente alguma diferença?
Não é fácil começar a referir pontos fortes num livro como este, em que todos os elementos se conjugam num todo tão equilibrado que é difícil puxar um fio individual sem desfazer a soma das partes. Mas poder-se-á, talvez, começar por aí, por este equilíbrio perfeito que torna a leitura tão fascinante na sua mistura de enigmas e de inexplicáveis que parecem, ainda assim, tão naturais. Há muito nesta história que é improvável, a começar, desde logo, pela presença de personagens literárias no mundo "real", mas tudo acontece de forma tão natural que o improvável torna-se credível e as estranhezas desta ilha - e destes escritores - tornam-se perfeitamente reais.
É uma naturalidade singular, que transborda não só dos acontecimentos, mas da cadência das próprias palavras. Resumidamente, a escrita é belíssima, repleta de frases memoráveis, mas também moldada num todo em que tudo tem precisamente o tom, o registo, até a melodia certa para a situação a que se refere. Assim, há memórias que ressurgem, com a necessária nostalgia, diálogos directos, quase que em tom de conflito, imagens que, descritas com a maior da simplicidade, traçam um quadro verdadeiramente impressionante. E tudo encaixa. Tudo faz sentido, mesmo o que no mundo real não deveria fazer.
Claro que, feita de mistérios e de improváveis, esta não poderá nunca ser uma história de respostas totais e finais perfeitos. Não é. Mas também isso contribui para a sua magia, pois realidade e imaginação passaram todo o percurso intimamente entrelaçadas. E, assim sendo, é apenas natural que a linha que separa estas duas facetas - real e imaginário, possível e aparentemente impossível - seja também ligeiramente esbatida.
"A realidade é isso, é o que acontece à ficção quando acreditamos nela!" - diz uma das personagens deste livro. E é também uma boa forma de descrever este Os Vivos e os Outros: um livro em que a ficção se torna credível e, assim, se torna também um pouco real. Fascinante na naturalidade da magia, belíssimo na cadência das palavras e surpreendentemente envolvente na alma que constrói para as suas personagens, um livro memorável em todos os aspectos. E a não perder.
Título: Os Vivos e os Outros
Autor: José Eduardo Agualusa
Origem: Recebido para crítica
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