Antes de enveredar pela carreira de detective do pesadelo, Dylan Dog foi em tempos um jovem agente da Scotland Yard, dedicado ao seu trabalho e suficientemente idealista para acreditar numa certa noção de justiça. Mas nenhum idealismo dura para sempre, principalmente em tempos conturbados como aqueles. No mesmo dia em que o seu parceiro é morto por uma bomba, Dylan conhece Lillie, uma irlandesa interessante com um fraquinho por batatas fritas. Só que Lillie acredita em causas e tem associações perigosas. E o que parece ser uma paixão ardente pode esconder segundas intenções. Afinal, Dylan e Lillie estão de lados opostos... e não há muitas formas de a história poder acabar bem.
Poderá, talvez, ser uma surpresa, tendo em conta a relativa brevidade do livro, mas um dos primeiros aspectos a surpreender - e um dos mais marcantes, tendo em conta o percurso global - é a complexidade das relações, não só no contexto global da situação, mas sobretudo nos laços entre os protagonistas. É relativamente fácil prever que uma relação entre um polícia inglês e uma simpatizante do IRA não poderá propriamente acabar num final feliz e cor-de-rosa, mas o percurso não deixa, ainda assim, de ser intenso, repleto de momentos dramáticos e também de uma ou outra situação divertida, abrindo caminho para um final poderosíssimo.
Também particularmente notável é o elemento sobrenatural, numa fase da vida do protagonista em que este factor não fazia propriamente parte das suas funções. Nas visões de Lily, mas também na ténue cortina que separa presente e memória, há algo de constante e de intangível que liga Dylan ao futuro - e os leitores a Dylan. Junte-se a isto a construção da própria personagem e o impacto das circunstâncias e o resultado pode não ser obviamente sobrenatural, mas tem, ainda assim, algo de transcendente.
E há algo na arte, que, não sendo propriamente fácil de descrever, é, ainda assim, memorável. Sendo a preto e branco, sobressaem em primeiro lugar os jogos de sombra e a firmeza do traçado na expressão das personagens. Mas sobressai ainda mais o surpreendente pormenor dos cenários, principalmente nos mais complexos, e a sensação quase onírica que deles resulta. Enquanto as páginas voam - e voam realmente... - as imagens vão-se entranhando de forma natural. Mas é impossível não querer voltar atrás, para olhar com mais atenção para a emoção de um rosto, para a sombra de um fantasma que se desvanece ou para o pináculo de uma grande construção.
História de amor jovem, de causas arrebatadoras e de justiça ambígua, trata-se, pois, de uma leitura breve, mas fascinante. Daquelas que se devoram de uma assentada... mas já com a promessa de um regresso em mente. Muito, muito bom.
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