sábado, 3 de outubro de 2020

Soldados de Salamina (Javier Cercas e José Pablo García)

Frustrado com uma carreira de escritor que pouco mais lhe trouxe do que dissabores, Javier decide voltar ao jornalismo, sem saber que será este a dar-lhe a história que a imaginação nunca lhe proporcionou. Tudo começa com uma entrevista, onde ouve falar pela primeira vez do fuzilamento falhado de Rafael Sánchez Mazas, fundador da Falange e, posteriormente, célebre figura do regime franquista. Intrigado pela história, Javier começa a seguir as pistas do mistério. Mas a história que tem para contar - e que está convicto de que não será um romance - leva-o por longos caminhos. E só com a ajuda de outro escritor, e uns quantos empurrões da sua improvável namorada, é que Javier poderá encontrar as respostas que lhe faltam.
A primeira coisa que importa dizer sobre este livro é que, se fizerem como eu e lerem esta adaptação antes do romance que lhe serviu de base, vão querer ler também o romance. Pelo menos, foi essa a sensação imediata que me ficou ao fechar o livro. Porquê? Porque, embora sendo uma adaptação para um novo formato, em que o aspecto visual assume uma grande importância, parte do que fica na memória é também a beleza das palavras. E, assim sendo, é praticamente impossível não querer conhecer a origem de tudo isto.
Outro aspecto que sobressai é a forma como, mais até do que a própria expressividade dos rostos, é o jogo de tons que parece evocar com mais força o ambiente emocional da história. No percurso de Sánchez Mazas, dominam sobretudo os azuis e as sombras, o que parece evocar com estranha precisão o ambiente de guerra e também o facto de ser uma história vinda do passado - ainda que haja outro passado, o de Bolaño, que assume cores totalmente diferentes. Já no percurso de Javier, dominam cores mais quentes, e até rasgos de cores vivas, particularmente eficazes nos momentos dedicados à improvável Conchi.
E quanto ao enredo em si, é inesperadamente intrincado e, ao mesmo tempo, surpreendentemente cativante. Sánchez Mazas pode ser a base da história, mas Javier, na sua busca de um herói, é o verdadeiro protagonista. E o desenvolvimento de novas perspectivas à medida que ele vai descobrindo novas peças do mistério faz com que seja praticamente impossível parar de ler. Além disso, o contexto histórico é naturalmente complexo, o que faz com que as sucessivas revelações acrescentem também complexidade a este viagem individual a um passado conturbado.
Fascinante na trama, visualmente muito cativante e com uma expressividade no texto que parece insinuar ligações fortes ao original, trata-se, pois, de um livro notável em todos os aspectos. Uma viagem a diferentes passados e à descoberta da história enquanto percurso pessoal.

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