Durante nove semanas, Paul Gauguin partilhou a casa de Vincent van Gogh. Essas nove semanas ficariam para a história da arte como a origem de várias grandes obras dos dois pintores, mas seriam também o início do declínio de uma mente atormentada. Pois o temperamento de Vincent era, em muitos aspectos, peculiar e as suas convicções colidiam, muitas vezes, com as do seu companheiro de casa. Ao fim desse tempo, Vincent estaria no rumo da fase mais negra da sua vida e Gauguin deixaria, apressado, a casa amarela, fugindo da instabilidade que via em seu redor. Esta é a história dessas nove semanas e dos dois homens que as protagonizaram. Mas esta é, acima de tudo, a história de Vincent, e do seu génio atormentado pela insegurança e pela sombra da loucura.
O que mais marca neste livro é a imagem precisa e completa que o autor constrói para os dois artistas e a forma fluída como a apresenta. Há um evidente cuidado na caracterização de Gauguin, mas, particularmente, na de Vincent, e o autor conjuga na perfeição as referências à obra e às suas origens com os factores pessoais que definem a personalidade e a experiência de cada um dos pintores. É fácil imaginar, ao longo de leitura, a convivência entre os dois homens, com a harmonia inicial a dar lugar aos sucessivos factores de discordância que culminariam no abandono apressado que exerceria também o seu efeito negativo sobre o estado de ânimo de Vincent. Mais que a obra, que é também abordada de forma muito interessante, com a exposição do ambiente e das ideias que estariam na origem de cada criação, é este choque de personalidades o que mais marca nesta leitura, quer pelo muito que revela das figuras dos dois pintores, quer pelo lado de quase empatia que consegue evocar ao descrever os momentos de conflito e de abandono.
Impressiona também a forma como este livro é escrito, pois os factos e as referências não são apresentadas na forma expositiva e distante que, muitas vezes, surge nas biografias, mas antes conjugando a visão completa dos factos com a fluidez e a envolvência de um romance. Aos factos simples e directos junta-se a capacidade de sentir pelos protagonistas desta nova semana, tal como se fossem personagens de ficção que o leitor acompanhasse numa aventura. As qualidades e os defeitos, os pequenos sucessos e os grandes fracassos e, principalmente, o caminho dividido entre o entusiasmo e a melancolia que definiria, afinal, o dilema interior da alma de Vincent, são expostos com precisão, mas também com empatia, deixando ao leitor uma imagem completa do pintor, não apenas pela sua obra, mas também pelas suas fragilidades humanas.
Completo na apresentação do tempo e do cenário que apresenta, particularmente marcante pela caracterização das mentes que protagonizaram essas nove complicadas semanas em Arles e magnificamente conseguido na forma como conjuga a nitidez dos factos com o lado pessoal e emocional dessas mesmas figuras, A Casa Amarela lê-se com a fluidez de um romance, sem nunca perder de vista a importância dos factos. E é também isso que torna este livro tão bom.
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