Albanta é uma cidade perfeita - ou assim se define. Ali, onde não há excesso de população e a vida quotidiana se define pelos serviços prestados à cidade, e respectivas recompensas ou perdas associadas, a existência tem uma data de terminação. Talvez seja por isso, por ser insuportável a ideia de viver com data de morte marcada, que alguns querem deixar para trás a perfeição de Albanta. O problema é que a cidade não está disposta a perder os seus...
Há muito de bom para dizer sobre este livro. Desde a forma como a história se desvela, aos poucos, na sua verdadeira natureza, pela voz de um narrador que, sem o parecer, no início, é também figura principal da narrativa, à caracterização gradual de um sistema tão diferente, mas que ultrapassa a estranheza e consegue parecer quase familiar, passando pela beleza de uma escrita quase poética, por vezes, introspectiva, sempre envolvente na forma como se entranha no pensamento do leitor, todas estas características fazem parte do que define uma obra breve, mas impressionante em todos os aspectos.
Das três personagens que se destacam, é talvez o narrador o que mais chama a atenção, tanto pela multiplicidade dos seus papéis - de fugitivo, de conspirador, de condenado - como pelo que, aos poucos, se revela dos elementos que o caracterizam. Elementos que se conjugam para uma fase final particularmente intensa, em que é quase impossível não sentir empatia ante a muito própria, mas de emotividade universal, exposição das circunstâncias do homem que aguarda perante a morte. É nesse momento que a personalidade de Viktor se expõe na sua totalidade, dando forma aos momentos de máximo impacto emocional, impacto este que é também aumentado pela forma como os segredos das outras personagens - e da sua ligação às circunstâncias do narrador - são finalmente revelados.
Albanta e o seu sistema de controlo demográfico são fascinantes e muito bem construídos, com os vastos detalhes que, aos poucos, são apresentados. Mas, mais que a história de um sistema aparentemente perfeito, mas ditado por imposições e regras estritas, marca, neste livro, a imensa reflexão sobre escolhas e arrependimentos, sobre sonhos e desilusões e, principalmente, sobre traição e morte, que transparece da história de Viktor e de Vilna. Das expectativas frustradas e dos ciclos de fuga e regresso, a empatia sentida para com as personagens liga-se a um lado introspectivo nas dúvidas de cada um deles, mas também a uma interessante ponderação sobre as possibilidades levantadas pelo complexo sistema que é Albanta: quanto seria aceitável perder em nome da suposta perfeição?
Uma história breve, mas intensa e complexa, quer no sistema que apresenta, quer nos pensamentos e emoções das personagens que o habitam, A Decadência dos Olfactos marca tanto pelo cenário que apresenta, como pelos rumos da história, como ainda pela beleza de um estilo de escrita muito próprio e pela conjugação perfeita de empatia e reflexão. A impressão global não podia ser melhor. Maravilhoso.
Concordo: maravilhoso.
ResponderEliminarLi «A Decadência dos Olfactos» e julgo muito justa esta excelente apreciação, onde nada falta nem sobra.