sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A Casa Azul (Claudia Clemente)

Para a casa azul convergem todas as memórias, as de uma vida que se tornou de sombras e que as mudanças lançaram em fugas sucessivas. Memórias de uma mulher que viveu momentos de amor, para depois se perder. De duas irmãs que nunca se conheceram, mas que sempre tiveram demasiado em comum. De um agente que seguia uma suspeita e encontrou mais do que procurava. Memórias de onde nasce uma história que converge, ela também, para a casa azul. E em que os pedaços das vidas fragmentadas encontram o caminho de volta ao sentido.
Invulgar na estrutura e na escrita, este é um livro difícil de caracterizar. Feito, em grande parte, de episódios curtos, fragmentos de memórias ou pedaços de introspecção, começa por ser um enigma, em que cada impressão é uma pista para a totalidade, para depois se tornar num cruzamento de vidas, em que a verdade começa a surgir tanto dos episódios contados como do que é deixado por dizer. Introspectivo, apresenta, em cada fragmento, as memórias das personagens como o registo pessoal que são, como que na voz dos seus pensamentos. E, assim, da estranheza de um início em que são poucas as respostas e infinitas as perguntas, tudo evolui para um desvelar de segredos que, no fim da viagem, fará sentido.
Além do registo enigmático, presença constante do início ao fim do livro (até porque nem todas as perguntas têm resposta), sente-se também uma aura de melancolia, um quase pressentimento de tragédias passadas ou por vir. Esta impressão é reforçada pela voz particular de cada um dos protagonistas, já que, em cada pensamento, em cada memória revisitada, há um pedaço da alma que se abre e uma emoção profunda contida em poucas palavras. 
O que me leva ao mais marcante de todos os aspectos deste livro. É que, apesar da brevidade, da forma sucinta com que cada um dos fragmentos é construído, há, espelhada nas palavras, toda uma complexidade de sentimentos e de reflexões. Sem elaborações desnecessárias, mas com um registo, por vezes, quase poético, a voz (ou as vozes) da narrativa impressiona a cada frase e a cada momento. E isso, mais ainda que tudo o resto, fica na memória.
Melancólico e introspectivo, feito de fragmentos de memória (como a própria vida, aliás), este é, portanto, um livro que, partindo da estranheza inicial, constrói uma história complexa e marcante a partir dos mais simples pensamentos. O resultado é uma leitura marcante e surpreendente. Memorável, em suma.

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