quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Divertimento em Ene Maior (Fernando Manuel Noivo)

Percepções de uma natureza diferente, vista pelos olhos do poeta que, através de uma quase viagem interior, imagina espaços diferentes e elementos alterados, moldados na forma de um mesmo mundo. Por vezes pessoal, quase intimista, outras vezes afastando-se do eu para olhar o espaço, este livro é feito de poemas de um cenário estranho e familiar, povoado de gente improvável e de coisas também invulgares. E, no seu todo, em que cada poema representa um instante, este livro é também quase uma história: a história das coisas diferentes e daquele que as observa.
Um dos primeiros aspectos a chamar a atenção neste livro diz respeito à estrutura de alguns poemas, bem como à forma como esta se adapta aos temas. O assunto que domina é a natureza, na vastidão de tudo o que compõe e ainda dos atributos imaginários que lhe são atribuídos. Por isso, não deixa de ser especialmente cativante a forma como alguns dos poemas, com as suas inesperadas alíneas e pontos de ordem, façam lembrar a classificação das espécies. Além disto, esta peculiaridade parece ser um único ponto definido numa estrutura que é, de resto, bastante livre, o que cria um contraste entre fluidez e organização.
Ainda falando de organização, importa referir a perspectiva de conjunto com que se fica após a leitura. Ainda que cada um dos poemas represente um todo por si só, a totalidade, com o seu tema comum e os elementos que se repetem nos diferentes poemas, passa a impressão de uma unidade maior. É como se houvesse uma espécie de narrativa subjacente ao conjunto. Fica, por isso, a impressão de uma unidade coesa, reflexo de um todo maior. Ainda que, por vezes, o sucessivo ressurgir de temas e elementos se torne um pouco repetitivo.
Por último, de notar que, apesar de um registo aparentemente simples, há, no conjunto do livro, vários poemas que sobressaem, quer devido a alguns versos particularmente marcantes, quer por um registo mais pessoal, que, no meio de tudo o que há de invulgar, evoca uma familiaridade reconfortante. Também este equilíbrio entre o conhecido e o improvável contribui para tornar a leitura interessante.
Tudo somado, fica na memória uma poesia diferente, em cenários e em estrutura. Mas que, na sua muito própria visão da natureza, evoca algo de único e de universal, na perspectiva do poeta unido ao mundo em volta. Vale a pena ler.

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