domingo, 5 de outubro de 2014

Os Quatro Pontos Corporais (João Reis)

Uma prostituta, um contabilista, um chulo e um polícia. À primeira vista, as suas histórias não têm lá muito em comum, a não ser o facto de, à sua maneira, todos tentarem fazer pela vida. Mas alguns encontros mais ou menos acidentais e umas quantas ligações mais ou menos desconhecidas fazem com que os caminhos dos quatro protagonistas se cruzem numa mesma noite de irreversível mudança. É nessa direcção que os seus percursos se encontram, tendo como elo comum um muito peculiar oponente. Mas, na história, como na vida, nem sempre as pessoas são o que parecem. E o fim do caminho pode bem ser a prova disso...
De todos os aspectos surpreendentes neste livro, e são vários, um dos que mais se destaca é o equilíbrio na forma como as histórias e as vidas dos quatro protagonistas se cruzam. À primeira vista, as diferenças são mais que evidentes e, por isso, quase tudo na forma como os seus percursos se cruzam é inesperado. Ainda assim, tudo parece natural - ou tão natural quanto possível, tendo em conta as circunstâncias - e nada parece forçado. As coisas acontecem, simplesmente, e é incrivelmente fácil imaginá-las.
Este é um ponto surpreendente precisamente porque tudo - ou quase tudo - na história é peculiar, desde o desajeitado contabilista que procura uma prostituta, mas que estabelece com ela uma relação bem diferente da esperada, ao muito peculiar mafioso que aplica à mesma dedicação à cobrança de dívidas ou à aquisição de um saco de nabiças. E, deste cenário quase caricato, mas, ao mesmo tempo, estranhamente credível, surge um olhar inesperadamente sério - ainda que retratado através das mais caricatas situações - sobre a realidade da vida das pessoas, sejam elas mais ambiciosas, mais ingénuas ou, simplesmente, mais estranhas. O resultado é, como não podia deixar de ser, inesperado, já que a narrativa nunca perde a leveza e, por isso, facilmente se torna viciante, mas não deixa por isso de dar voz - e uma voz muito expressiva - a umas quantas grandes verdades.
E de um livro em que tudo é surpreendente não se espera senão que o final também o seja. E é-o, de facto, já que, peculiares em todos os aspectos, as personagens deste livro têm ainda uma última faceta a revelar. Também inesperada, como já se esperava, mas, ao mesmo tempo, de uma intensidade marcante, já que, nos objectivos concretizados ou por concretizar, a situação final dos protagonistas acaba por evocar também a falibilidade de todos os planos.
Intrigante desde as primeiras linhas e surpreendente ao longo de todo o percurso, este é um livro que cativa tanto pela aparente leveza e pelas peculiaridades das personagens como pelo lado sério que, sem elaborações, mas de forma certeira e eficaz, se vai revelando ao longo da narrativa. Muitíssimo bem escrito, com uma história envolvente e tão capaz de divertir como de fazer pensar, fica, sem dúvida alguma, na memória. Recomendo.

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