1939. Apesar dos perigos e da omnipresença das bandeiras vermelhas, brancas e negras, a rua é o único refúgio onde Hannah Rosenthal, de doze anos, ainda encontra alguma alegria. Em casa, os pais mantêm conversas sussurradas e parecem fazer planos que lhe inspiram pouca confiança e só a companhia do amigo Leo, também ele na mesma situação, lhe alegra a vida. Mas os seus dias em Berlim estão contados e a única fuga possível e embarcar no St. Louis, um possante navio que os deverá levar para Cuba - se o governo de lá estiver disposto a aceitá-los. Cuba deveria ser apenas um lugar de passagem, mas, setenta anos depois, Hannah continua lá - e as suas cartas chegam às mãos da última Rosenthal, uma menina de doze anos que não conhece a história da sua família. Hannah e Anna partilham o mesmo nome e o mesmo passado. E é tempo de revelar os segredos que durante tanto tempo perduraram.
Dividido entre dois momentos diferentes e as perspectivas das duas protagonistas, este é um livro que tem como principais qualidades dois aspectos: a capacidade de alimentar uma certa aura de mistério e um enredo onde não há caminhos fáceis. Quanto aos caminhos fáceis, nunca os poderia haver tendo em conta a época em que parte do enredo decorre e as inevitáveis perdas associadas a um tal percurso. Quanto ao mistério, vive de segredos perpetuados ao longo do tempo: alguns de grande impacto, outros apenas símbolos de uma vida que passou.
Ainda que a história se centre principalmente em Hannah e Anna, com as suas fascinantes histórias e descobertas, a história vive também muito das personagens que as rodeiam. No caso de Hannah, o pai, a mãe, Leo e Julian trazem consigo uma série de enigmas que, à medida que vão sendo desvendados, deixam a sua marca tanto na protagonista como no leitor. No caso de Anna, também o pai e a mãe, mas principalmente a descoberta da tia Hannah e da grande história que tem para contar, traçam o seu percurso de crescimento. E é este crescimento de ambas que torna tudo tão marcante: são pessoas diferentes em tempos diferentes e, no entanto, partilham da mesma inocência e da mesma perda e isso torna particularmente cativantes os seus percursos convergentes.
Claro que há um contexto global mais vasto, que começa, desde logo, na vida em Berlim em 1939 e depois se expande às mudanças graduais, à chegada da guerra, ao tratamento dado aos judeus tanto na Alemanha como a bordo do St. Louis e, depois, às mudanças ocorridas em Cuba. E, ao centrar a história nas duas protagonistas, o autor acaba por deixar alguns aspectos para segundo plano. Leo, o pai de Hannah, o marido de Esperanza, Gustavo, até mesmo Julian - também eles têm em si as bases de uma grande história, que acaba por se revelar apenas parcialmente. Fica por isso uma certa sensação de que mais haveria a dizer sobre qualquer um deles, ainda que também a impressão de que estas revelações veladas e parciais fazem um certo sentido, pois é apenas essa a informação que as protagonistas obtêm.
Com uma cativante aura de mistério e vários momentos comoventes, no fim, fica a imagem de uma história marcante, sem respostas fáceis, mas repleta de momentos belos e angustiantes. Uma história de vidas de passagem e de um período histórico que, por tudo o que o definiu, nunca será demais voltar a abordar. Vale, pois, muito a pena descobrir este livro. E, com Anna e Hannah, viajar até ao passado.
Título: A Rapariga Alemã
Autor: Armando Lucas Correa
Origem: Recebido para crítica
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