sexta-feira, 27 de abril de 2018

Submersos (J.M. Ledgard)

Refém de um grupo jihadista e submetido a todo o tipo de maus-tratos, James More tenta manter a sanidade por entre as extremas provações do seu cativeiro na Somália. Muito longe dali, Danielle Flinders, biomatemática, prepara-se para descer as profundezas inexploradas do oceano. Cada um à sua maneira, ambos se preparam para um mergulho mais ou menos definitivo nas trevas. E a memória foge-lhes: foge para um passado fugaz que partilharam e em que se descobriram mutuamente, para um passado que os atraiu um para os outro e revelou pontos comuns - a água e o infinito - que talvez nunca mais possam voltar a ser alcançados...
Estranha e fascinante mistura de momentos angustiantes, descobertas sentimentais, rasgos de introspecção e pura transmissão de conhecimento, este é um livro que, não sendo propriamente de leitura compulsiva, parece manter todas as suas facetas peculiares num equilíbrio delicado. De um lado, a difícil situação de James faz com que cada momento do seu presente seja um abismo de angústias - e, no entanto, surge com o distanciamento necessário a que o contexto mais vasto possa também ser explorado. Do outro lado, Danny e as complexidades do seu trabalho exigem uma série de informações específicas que levam o seu tempo a assimilar. E porém, há uma espécie de convergência que une as partes num todo coeso - um caminho rumo à derradeira submersão, que, embora diferente para ambos os protagonistas, se torna única pelo passado que os uniu.
Apesar da muita informação transmitida, não só de contexto, mas também do percurso individual das personagens, este não é de todo um livro que dê todas as respostas. Fica, aliás, uma grande pergunta em aberto quando se chega ao final. É, por isso, inevitável uma certa sensação de curiosidade insatisfeita, principalmente porque há um certo impacto emocional nalgumas partes da história que nunca é inteiramente mitigado. Mas também faz algum sentido que assim seja, pois o caminho era a descida. O depois - tenha ele a forma que tiver - fica no reino das possibilidades.
Mas importa ainda voltar à escrita para falar da forma como, de tantas e diversas linhas e registos, e de um tão delicado equilíbrio, emerge também uma forma memorável. Oscilando entre tempos e perspectivas, e acrescentando factos passados que, de certa forma, parecem influenciar a vida dos protagonistas, o autor constrói uma narrativa que, além de cativar pelas muitas coisas que narra, marca também pelas várias frases memoráveis. Há quase que poesia em alguns momentos - e, muitas vezes, nos momentos mais inesperados. E essa é também uma das características mais interessantes deste livro.
Leva o seu tempo e não dá todas as respostas, mas, pouco a pouco, grava-se na memória. É esta, no fundo, a alma deste livro que, numa espécie de descida aos abismos, olha para o mundo e para os homens com uma estranha precisão. A imagem que fica não podia, por isso, ser outra que não a de uma envolvente e fascinante leitura.

Título: Submersos
Autor: J.M. Ledgard
Origem: Recebido para crítica

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