Amaro, conhecido como o Bom Crioulo, viveu como escravo, mas tornou-se marinheiro de estranha reputação. Bom, como indica a alcunha, por a todas as ordens assentir com prontidão desde que sóbrio, mas feroz como poucos em estado de embriaguez. É, ainda assim, um homem respeitado. Mas tudo muda quando um jovem grumete lhe prende a atenção e lhe desperta as obsessões. Irresistivelmente atraído, não tarda a envolver Aleixo numa relação amorosa cúmplice e secreta. Até ao dia em que ordens os separam e Aleixo, longe da influência do Bom Crioulo, se deixa fascinar por uma portuguesa. Para ele, Bom Crioulo é apenas passado. Mas as obsessões nunca se apagam verdadeiramente e há uma tragédia à espera de acontecer...
Com a sua relativa brevidade e o seu estranho equilíbrio de sensualidade e ódio na vida de marinheiro, é difícil que, ao ler este Bom Crioulo não venha ao pensamento um certo Billy Budd, da criação de Melville. E, tal como em Melville, também aqui a relação proibida parece ser a força que move o enredo, ainda que de uma forma mais crua e mais aberta. Também os tempos são diferentes, naturalmente, e as personagens têm uma identidade própria. Ainda assim, ambos os livros parecem servir uma mesma visão: a da relação proibida que se encaminha para um fim sombrio.
Ora, sendo o cerne da história o desenvolvimento de uma relação homossexual e inter-racial, são, de certa forma, inevitáveis os considerandos tecidos ao longo do texto sobre estas questões. Considerandos esses que, em certos casos, não são propriamente fáceis de assimilar vistos pelos olhos de uma mentalidade moderna. É, pois, necessário ter em conta a época em que foi escrito este livro para entender certas posições. E tendo em conta este contexto, o impacto que o livro deverá ter tido no seu tempo torna-se também mais evidente.
Mas passemos ao enredo propriamente dito. É interessante notar o quanto é possível contar em menos de cento e cinquenta páginas, com a caracterização de locais, personagens e até formas de pensar a surgir precisamente na medida certa. Além disso, sendo, afinal, uma história de males de amor e de obsessão, há também espaço para uma certa introspecção das personagens (particularmente de Bom Crioulo) e a forma como os seus pensamentos e emoções ganham vida tem uma estranha e fascinante força. E, sendo certo que não é propriamente difícil adivinhar de que forma irão acabar as coisas, também o é que o caminho basta-se a si mesmo. Podemos saber como acaba - mas o percurso, esse, tem as suas surpresas.
A impressão que fica é, portanto, a de um livro relativamente breve, mas surpreendentemente complexo, tanto nos temas que aborda como na forma como constrói a história pessoal das suas personagens. Cativante, forte e com alguns momentos verdadeiramente memoráveis, uma boa leitura.
Título: Bom Crioulo
Autor: Adolfo Caminha
Origem: Recebido para crítica
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