sexta-feira, 6 de abril de 2018

O Ano da Dançarina (Carla M. Soares)

1918. Dispensado devido aos ferimentos sofridos, Nicolau Lopes Moreira regressa da Frente, mas os demónios do que ali viveu voltam consigo. De regresso a casa, sabe que houve quem passasse por bem pior e que tem a sorte de ter uma família disposta a tudo para o ajudar, mas as sequelas ficarão para sempre e ele também sabe disso. Quando se alistou, fê-lo para ultrapassar um desgosto amoroso, mas, agora que está de volta, a Rosalina que em tempos o encantou surge-lhe agora de uma outra forma. E quando, apesar das marcas que carrega, o estado do país e a epidemia que o assola lhe exigem que esteja à altura da profissão que escolheu, Nicolau não hesita em dedicar-lhe todos os seus esforços. O país sofre. Todos sofrem. E Nicolau sofre também pela sua sensação de impotência. Mas, de cada vez que vislumbra a salvação possível, algo mais surge para o perturbar...
Vasto, complexo, repleto de elementos históricos e com um núcleo de personagens tão marcante quanto as suas circunstâncias, este é um livro em que há tanto para descobrir, tanto para assimilar, que é difícil começar a destacar alguma das suas facetas. É que qualidades não lhe faltam e há um impacto que se insinua aos poucos, que vai nascendo à medida que as personagens se dão a conhecer e que depois culmina num tão grande golpe emocional que é difícil, ao virar da última página, deixar partir esta história e estas personagens.
A escrita é belíssima. Claro que, sendo um livro em que o contexto histórico tem um papel tão importante, é inevitável o ritmo um pouco mais pausado das explicações necessárias. Mas é tão marcante a história, tão impressionante o percurso das personagens, tão bela a descoberta da superação para lá das trevas, que tudo se torna natural. Além do mais, todo o contexto é relevante. Não há informação desnecessária. E este equilíbrio entre o cenário global e o caminho pessoal das personagens é algo de simplesmente fascinante.
Mas, a ter de destacar um ponto forte num livro que os tem em tão grande abundância, seria sem dúvida a construção das personagens. No seio dos Lopes Moreira há gente carismática, gente boémia, gente atormentada e vulnerável, inocentes, contestatários, hesitantes e determinados. Há um mundo inteiro numa família só e em cada um dos seus elementos há algo que vale a pena admirar. E Nicolau... bem, Nicolau é a personagem perfeita. Assombrado pelo passado, mas decidido a tudo fazer no combate à epidemia - mesmo quando tudo lhe parece inútil. Apaixonado, mas vulnerável às sombras que nunca se afastam verdadeiramente. E há algo de maravilhoso na forma como a autora descreve esta vulnerabilidade, uma empatia tão grande que se torna quase impossível não entender o protagonista e reconhecer os fantasmas que o assombram.
E há ainda um outro ponto marcante, pois, se o contexto histórico é complexo e as personagens também o são, é inevitável que nunca haja escolhas fáceis nem finais perfeitamente limpos. No caminho dos Lopes Moreira há paixão e descoberta e superação, mas há também perda e mágoa e um sofrimento inevitável. Há vida - com luz e sombra. E são também estes sobressaltos e estes momentos cruéis que tornam a história tão real, pois nenhuma vida é verdadeiramente cor-de-rosa, e muito menos quando o mundo à volta está em tumulto.
No fim, fica uma marca poderosa, a de um percurso árduo e cheio de sombras, mas também de esperança e de possibilidades. Uma viagem tão vasta e complexa como a vida e em que cada momento, cada personagem e cada frase têm algo de único e de memorável para mostrar. Vale, pois, a pena conhecer esta brilhante família e este romance maravilhoso. Vale muito, muito, mesmo muito a pena. 

Autora: Carla M. Soares
Origem: Recebido para crítica

1 comentário:

  1. Ainda não conhecia, parece ser bem interessante!

    http://submersa-em-palavras.blogspot.com.br/

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