De homens tornados monstros e perdas tornadas ódio, de inocências deixadas num autocarro que parte e abandonadas numa fornalha secreta. Disto se faz Teatro Vertical, que bem podia chamar-se ensaio sobre a crueldade e, das muitas sombras que o povoam, surge um laivo de estranheza e fascínio que prende desde o primeiro contacto e que não deixa de surpreender até ao fim. Pois há verdade e até beleza nas sombras - e a mente humana tem mais sombras do que imaginamos.
Basta pegar neste livro e folheá-lo para descobrir a primeira das várias fontes de fascínio nesta relativamente breve, mas muito intensa, leitura. As ilustrações são deslumbrantes e a estrutura do livro, com os seus tons e imagens a evocar na perfeição o ambiente sombrio das histórias, realça tudo o que nele há de enigmático, intrigante e tenebroso. Porque é, de facto, um teatro de trevas - da escuridão na alma dos seus protagonistas. E basta um olhar às imagens para preparar o caminho - imagens essas que, vistas depois ao ritmo do texto, ganham ainda um novo impacto.
Mas passando às histórias, porque também sobre elas há muito de notável a destacar. Primeiro, vem o choque - pois nenhum dos caminhos acaba onde se esperava e há sombras insuspeitas à espreita mesmo no que parece a mais inocente das situações. Depois, o fascínio - pois há um certo realismo duro na crueldade dos actos destas personagens. E, por fim, a sensação de que toda a estranheza e peculiaridade fazem perfeito sentido, pois representam um lado mais negro e mais oculto, mas nem por isso menos real, da mente humana. Tudo num equilíbrio delicado e eficaz, em que bastam poucas páginas para construir uma história notável, tal é o impacto das circunstâncias e a harmonia da voz que as narra.
E há mais. Sendo certo que cada uma das histórias pode ser lida de forma independente, há, ainda assim, um factor de coesão que faz do conjunto um todo maior. Lido de seguida, parece formar quase que um romance em fragmentos - onde as figuras e os cenários mudam, mas permanece a mesma protagonista: a escuridão. E, mais uma vez, também as ilustrações contribuem para esta convergência, ao retratar visões inesperadas que parecem funcionar como elos de ligação entre as diferentes personagens.
Sombrio, misterioso e fascinante: assim é este Teatro Vertical. Um livro feito de estranhos habitantes, mas que, em todos os aspectos, fascina e surpreende, gravando-se na memória como uma viagem peculiar. E, naturalmente, altamente recomendada.
Título: Teatro Vertical
Autor: Manuel Alberto Vieira
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário