Mafalda tem apenas nove anos, mas sabe já que tem um grande obstáculo pela frente. Sofre de uma doença rara que, dentro de poucos meses, a deixará completamente cega. E, enquanto os pais tentam encontrar a melhor forma de lidar com o que está para vir, Mafalda vai procurando, à sua maneira, uma solução impossível para a sua situação. Faz listas de tudo o que gosta, mas que deixará de poder fazer. Curiosamente, faz também um novo amigo. Mas, acima de tudo, planeia uma nova vida, na cerejeira da escola, tal como Cosimo, a sua personagem favorita de O Barão Trepador. Mafalda está a descobrir a vida da forma mais difícil - mas talvez, mesmo às escuras, seja possível encontrar o essencial.
Não é propriamente uma surpresa que o primeiro elemento a cativar - e o que mais força terá até ao fim - seja a inocência que transborda de toda a história. Contada pela voz de Mafalda, mostra o mundo pelos olhos de alguém que, mesmo com uma grande sombra a pairar-lhe sobre o futuro, vê a vida como repleta de possibilidades. E é desta inocência em contraste com a terrível escuridão que se aproxima que nascem os grandes momentos de emoção, pois é impossível não sentir com Mafalda quando os seus sonhos e esperanças se apagam.
Há momentos de inevitável tristeza, mas não é, ainda assim, uma história triste. Não só porque o caminho de Mafalda é muito mais do que uma jornada rumo às trevas - é a descoberta da amizade, a do que existe para lá das limitações, a de que a vida continua mesmo depois da perda e a de que, embora a inocência se vá perdendo, há outras coisas boas para ocupar o seu lugar - mas, principalmente, porque há toda uma base de ternura e de afectos à sua volta. Nem sempre é fácil entender as escolhas das personagens, mas é natural que assim seja, pois são essencialmente pessoas imperfeitas a tentar lidar com as dificuldades da vida. Mas todos fazem o seu melhor e o essencial - essa tão esquiva e intensa criatura - nunca deixa de se manifestar.
Contar a história da perspectiva de Mafalda implica uma inevitável limitação: as histórias pessoais de algumas das outras personagens passam para segundo plano. Ainda assim, e embora fique aquela curiosidade em saber mais, por exemplo, sobre a vida de Estella, a verdade é que a alma essencial dessas personagens está presente: Estella é a estrela que guia Mafalda. E, tendo embora vida própria, é nesse aspecto que mais brilha.
A impressão que fica é, pois, a de uma história simples e inocente, mas, acima de tudo, muito enternecedora. Reflectindo na escrita a personalidade de Mafalda, a autora dá-lhe vida em todos os momentos - nos tristes, nos pensativos e também nos mais divertidos. E é isso que, no fim, fica na memória: Mafalda pode ter ficado às escuras, mas o seu coração continua cheio de luz. E capaz de nos comover a todos.
Autora: Paola Peretti
Origem: Recebido para crítica
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