O passado disfuncional da mãe fez com que Ana sempre sentisse sobre os ombros o peso da obrigação de a fazer feliz - mesmo que isso significasse manter-se num casamento tranquilo, mas sem amor. Agora, porém, a mãe partiu e a vida que Ana vinha a suportar com esforço desmoronou. Resta-lhe, por isso, pôr em cartas o que sempre disse à mãe, recordar - e fazer as pazes - com o passado e partir depois para um futuro diferente. Nas cartas, contará toda a sua história - abrindo, talvez, assim caminho a uma nova esperança.
Parte do que torna esta leitura tão cativante é a forma como conjuga uma escrita harmoniosa e natural, nas cartas e nas recordações, com um cenário tão cheio de possibilidades como de momentos disfuncionais. A história de Ana e das suas antepassadas está cheia de dor, de mágoa e de crueldade. E, todavia, mais que o choque dessas revelações (que chocam, de facto), marca uma melancolia persistente que parece construir uma ponte entre o peso do passado e uma libertação futura. Assim, sente-se desespero e esperança - os mesmos que movem as personagens e são a alma deste romance.
Também notável é o facto de nenhuma personagem ser perfeita - mas também nenhuma ser irremediavelmente maligna. Até mesmo os tais homens do passado que tanta destruição espalharam parecem ter alguma qualidade redentora. Insuficiente, claro, mas mais do que capaz de justificar indecisões, demoras, escolhas erradas. De dar forma à verdadeira complexidade da situação das personagens. Além disso, a própria Ana está longe de ser uma figura perfeita e as suas decisões são igualmente ambíguas e contraditórias, mesmo quando movidas pelos melhores dos sentimentos. São humanas, em suma. E, por natureza, imperfeitas.
Quanto à história em si, é uma passagem: de um passado de sombra e desolação para a promessa de um futuro melhor. O elemento central é a esperança e, assim sendo, faz sentido que tudo termine assim: num ponto de viragem decisivo, feito de promessas futuras, mas deixando em aberto todas as possibilidades. Fica, é claro, a tal curiosidade insatisfeita - principalmente no que diz respeito a Ana e ao português - mas é apenas natural que assim seja. Porque, afinal, é a própria protagonista que não acredita em "juntos para sempre". Se a vida a persuadiu ou não do contrário... fica à imaginação do leitor.
No fim, fica a soma de três grandes qualidades: uma escrita belíssima, personagens complexas e uma história feita de emoções intensas. Mais do que o suficiente para moldar um bom romance - e é precisamente isso que este livro é.
Título: O Amor que Sinto Agora
Autora: Leila Ferreira
Origem: Recebido para crítica
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