Japão, século XVI. O padre Mateus leva uma vida tão tranquila quanto possível no seu trabalho de missionário cristão em tempo de múltiplas crenças. Mas essa calma está prestes a desabar. Tudo começa quando Sayuri, uma das suas convertidas, é acusada de assassinar um samurai numa casa da chá. E, quando o padre Mateus tenta defendê-lo, vê-se arrastado para o julgamento. Se, no espaço de dois dias, não conseguir provar a inocência de Sayuri, também o jesuíta morrerá. Felizmente, conta com o auxílio precioso do seu tradutor - e protector - Hiro. Passando por um samurai sem senhor, Hiro é, na verdade, muito mais do que isso. E, aos seus talentos ocultos, junta-se uma mente arguta, capaz de desvendar qualquer mistério.
É como uma viagem a um mundo completamente diferente, este livro. O tempo, o cenário, a cultura, os comportamentos - praticamente tudo é diferente da nossa realidade. E, contudo, é absurdamente fácil entrar na história. É esta a primeira de muitas qualidades a destacar-se neste livro: bastam algumas páginas para saltar para o interior da história e sentir que se caminha - e sente - com as personagens. A empatia de Mateus, a mistura de frustração e devoção de Hiro, a fragilidade de Sayuri no seio de uma intriga aparentemente demasiado complexa para desvendar a tempo - tudo isto dá forma a uma história que, além de cativar pelo seu contexto único, rapidamente se torna impossível de largar.
Tendo isto presente, claro que outra das qualidades terá de vir da caracterização das personagens. O curioso é que isto não se aplica apenas às personalidades específicas de cada um - e são deliciosas - mas também, e principalmente, à forma como se relacionam uns com os outros e com o ambiente em que se movem. O código de conduta dos samurais faz com que certas perguntas se tornem mais difíceis de colocar - e eis que entra em cena o alegado desconhecimento do jesuíta para resolver esse problema. O direito à vingança parece ser a verdade mais elementar deste mundo - mas bastam alguns passos para entender que nada é, afinal, assim tão simples. E, no meio de tudo isto, há um núcleo sólido por entre a mudança: Mateus e Hiro formam uma dupla perfeita, na investigação do mistério, mas também na vida quotidiana.
E, claro, não se pense que este extenso contexto - de cenários, de regras, de intrigas - prejudica a intensidade da história. De modo algum. O que começa como um mergulho dramático mantém a intensidade até ao fim. Em parte, claro, devido à própria escrita, que se concentra em mostrar os acontecimentos, acrescentando o contexto e as informações suplementares à medida que vão sendo necessários. Mas principalmente devido à história em si, cheia de enigmas e de pistas a seguir, mas também de surpresas, de (deliciosos) momentos de humor e de ocasionais momentos de emoção e de nobreza que conferem a tudo uma outra perspectiva.
O resultado é uma leitura viciante, que, com as suas personagens notáveis, o seu cenário invulgar e o seu enredo de enigmas e revelações, prende desde as primeiras páginas e nunca deixa de surpreender. Intenso, cativante e cheio de surpresas, um livro que não posso deixar de recomendar.
Título: O Pecado da Gueixa
Autora: Susan Spann
Origem: Recebido para crítica
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