A cada dez anos, o Dragão, o feiticeiro do vale, leva uma rapariga para o servir durante dez anos. E, quando a rapariga volta, o apego que tem à sua terra desapareceu e ela parte rumo a outra vida. Ainda assim, é o preço a pagar pela protecção do feiticeiro e, naquele ano em particular, ninguém está muito preocupado, pois há uma rapariga que é a escolha óbvia. Só que... não é bem assim. Agnieszka não é bonita nem particularmente prendada, mas tem magia dentro de si, e isso torna-a a escolha óbvia para o irascível Dragão. Mas submissa é algo que ela também não é e, por isso, a sua aprendizagem revelar-se-á uma tarefa árdua para o feiticeiro. Principalmente porque tem, ao mesmo tempo, uma batalha terrível a travar contra a corrupção do Bosque que os ameaça a todos.
Sendo certo que o aspecto mais importante de um livro é sempre o conteúdo, este é um daqueles casos em que a primeira impressão é o arauto perfeito do que virá depois. A capa é maravilhosa e cheia de pequenos pormenores que, à primeira vista, captam a atenção e, depois de lida, a história fazem todo o sentido. Basta, pois, a capa para despertar a curiosidade e prometer muito de bom. Promessa que é cumprida em todos os aspectos.
É uma história de ritmo relativamente pausado, graças em grande parte às extensas, mas fascinantes, descrições de cenários, contexto, regras, comportamentos e rituais. E, ainda assim, facilmente se torna viciante. É que há algo de impressionante na forma como a história é construída, narrada pela voz de uma protagonista frágil, mas determinada, que cresce ao mesmo tempo que as batalhas se tornam mais difíceis. Além disso, há tantos momentos marcantes no percurso de Sarkan e Agnieszka que é impossível não querer saber o que acontece a seguir.
Há também uma estranha magia nesta história de... bem, de magia. As emoções parecem estar sempre à flor da pele, embora não haja espaço para grandes sentimentalismos - principalmente da parte de Sarkan. O mistério é igualmente intenso: o que é o Bosque, o que o move, de que forma poderá ser derrotado. E há ainda espaço para intrigas intrincadas, de corte e não só, o que torna tudo tão mais complexo e fascinante que tudo - mas mesmo tudo - acaba por se tornar irresistível.
E há magia também na escrita e na forma como nos leva num embalo tão estranho quanto natural. Agnieszka acaba de dizer adeus à sua antiga vida e, por isso, tudo é novo. Mas o mais importante em toda esta história são, ainda e sempre, as raízes. A forma como a autora explora este equilíbrio entre quebra e ligação é algo de brilhante e a forma como este equilíbrio se estende para lá de Agnieszka envolvendo outras personagens e chegando ao ponto de tocar até o distante Dragão é simplesmente memorável.
No fim, fica aquela tão mágica sensação de ter descoberto finalmente as respostas - e da forma mais satisfatória - mas de querer ficar dentro do livro um pouco mais. É essa, afinal, a verdadeira magia: a de uma história que nos leva para o seu interior, nos faz viver com as personagens e sentir tudo o que elas sentem e, depois, deixa uma pequena semente no fundo do nosso coração. Coração Negro é tudo isto. E é brilhante.
Título: Coração Negro
Autora: Naomi Novik
Origem: Recebido para crítica
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