Vivem-se tempos conturbados em Paris. O inimigo está às portas da capital, mas, postos perante a iminência de uma derrota humilhante, os franceses combatem-se uns aos outros. É o tempo da revolução, da luta contra os opressores, da vontade de dar aos mais fracos os direitos por que há muito anseiam. Mas é a guerra, também, e as consequências serão desastrosas. No centro de tudo, um grupo de revolucionários - nem todos franceses, nem todos filiados nos mesmos grupos - descobrem-se no centro do combate. E, em plena revolução, procuram encontrar-se nos valores que defendem. E no amor, também, se o puderem encontrar.
Narrado, em grande parte, na primeira pessoa, mas centrado no papel de várias personagens no decorrer da revolução, este é um livro em que os acontecimentos são narrados ao ritmo da memória do narrador. Abel Gornick, protagonista e narrador da história, relata os dias da revolução seguindo, tanto quanto possível, a linha temporal dos acontecimentos, mas com avanços e recuos correspondentes ao fluxo das suas próprias memórias. Ora, isto faz com que a fase inicial da narrativa seja um pouco mais confusa, mas também lhe confere uma maior proximidade, como que permitindo acompanhar os acontecimentos pelos olhos de um dos seus participantes. E ver as marcas do que lhe ficou.
Também a vastidão de personagens referidas - e mais ou menos desenvolvidas - contribui para a impressão de alguma confusão inicial. Mas também isto faz sentido. Primeiro, porque, sendo uma história de tempos de caos, faz sentido que a narrativa reflicta, até certo ponto, esses tempos caóticos, dando a conhecer, aos poucos, a forma como todos os acontecimentos se encadeiam. Mas, além disso, se é verdade que grande parte da história se foca em Abel, Léo e os seus companheiros mais chegados, há todo um conjunto mais alargado de personagens que, apesar da sua presença mais discreta na narrativa, tiveram um papel fundamental. E, por isso, a sua presença é inevitável, além de tornar a história mais completa.
Tudo isto - o caos, os sonhos, a luta, a morte - é narrado num registo pessoal quanto baste, reflectindo em grande medida, os sentimentos e percepções do narrador, mas com um estranho equilíbrio entre emoção e crueza que torna tudo mais real. É este, aliás, o traço mais cativante da escrita da autora: a forma como consegue realçar todos os contrastes e contradições do tempo e da história que pretende apresentar.
E, apesar de todo o caos e de toda a morte, a vida não acaba na revolução. É, por isso, também interessante ver a forma como a autora encerra a história das suas personagens, acompanhando-as para lá dos acontecimentos da Semana Sangrenta e mostrando-nos, assim, um pouco do depois. Também isto torna a história mais completa, pois funciona como uma recordação de que, afinal, a vida continua.
História de tempos difíceis, e das revoluções que se fazem no coração dos homens, trata-se, pois, de um livro que, quer pela história das suas personagens, quer pela caracterização do tempo em que se movem, quer ainda pelo delicado equilíbrio entre todos os elementos que dão forma à narrativa, facilmente se torna cativante. E que talvez não apresente todas as respostas - ou todas as respostas desejadas - mas que, ainda assim, fica na memória. Vale a pena ler.
Título: Amemo-nos uns aos outros
Autora: Catherine Clément
Origem: Recebido para crítica
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