Aidan Donovan sente-se mergulhado no caos. Aos dezasseis anos, tem de lidar com o facto de o pai ter saído de casa, com a forma como a mãe esconde a fragilidade sob uma máscara de ânimo inesgotável e com a sua quase inexistente vida social. Conforto, encontra-o apenas na figura do padre Greg, que lhe fala de amor e de compreensão. Até ao dia em que percebe que o amor do padre é tudo menos santo, altura em que começa a questionar o que realmente se passa à sua volta. E, perdido num caos que todos pretendem manter secreto, encontra nos amigos o refúgio de que precisa para seguir em frente. Mas, quando seguir em frente significa ignorar e fingir, poderá Aidan realmente ficar bem?
Uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que nunca será uma leitura fácil. Não porque a escrita seja particularmente elaborada ou o enredo demasiado denso. Não é. Mas o tema, esse, é angustiante. É revoltante, e, assim sendo, não pode deixar de despertar sentimentos fortes. E a forma como o autor desenvolve o tema, construindo a partir da visão do protagonista, faz com que tudo se torne mais nítido, mais intenso, mais perturbador. Assim, descobrir estas Confissões de Inverno é descobrir crueldade onde ela não devia ser permitida. E saber que essa mesma crueldade existe no mundo real só torna tudo ainda mais perturbador.
Mas, se o tema basta para abalar - e, principalmente, para fazer pensar - também a forma como o autor constrói a história reforça este impacto. Primeiro, pelo mundo que constrói em torno de Aidan, cheio de indiferença e de secretismo. Com um pai ausente, uma mãe focada em si mesma e muito poucos amigos, Aidan é vulnerável em todos os aspectos, mas surgem também, nos momentos certos, os necessários laivos de afecto - do verdadeiro - para recordar que nem tudo no mundo é crueldade. E isto torna a história mais realista, pois, sendo certo que não há finais felizes, também o é que nem tudo é tenebroso, nem mesmo face aos mais negros abismos da humanidade.
E depois há o próprio Aidan, personalidade vulnerável, mas marcante na forma como, posto no cerne do caos, consegue, ainda assim, revelar-se em toda a sua humanidade. Facilmente desperta empatia (principalmente, tendo em conta o carácter de alguns dos que o rodeiam), mas, mais do que isso, não se torna num mártir, e muito menos num ser perfeito. Aliás, as complexidades da sua personalidade realçam também o impacto daquilo que lhe foi feito, e a forma como o autor constrói estes contrastes é algo de realmente impressionante.
Voltando ainda à questão do realismo, não se espere deste livro um final arranjadinho, com todas as respostas. Ante um cenário tão complexo, e tão mais amplo que a história do próprio Aidan, não seria realista uma história em que tudo encontrasse uma conclusão absoluta. Mas tudo converge para um ponto de viragem, e esse culmina num final mais que adequado. Sem todas as respostas, sim, mas com todas as possibilidades.
Que mais dizer deste livro, então? Que abala, que perturba, que dói, às vezes. E que, tão relevante como perturbador no tema que aborda e na voz que lhe dá, se entranha na memória desde muito cedo e lá permanece bem depois de lida a última frase. Intenso, marcante, angustiante, memorável. E muito, muito bom.
Título: Confissões de Inverno
Autor: Brendan Kiely
Origem: Recebido para crítica
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ResponderEliminar"tão mais amplo que a história do próprio Aidan,"?
ResponderEliminar-tão amplo como a história do próprio Aidan,-
-muito mais amplo do que a história do próprio Aidan,-... "tão mais" é um absurdo oriundo daquilo a que impropriamente costumam designar como português do Brasil... É pena que um texto de tal modo bem redigido seja maculado por este absurdo...