Isabel conhece o valor da liberdade, mas a verdade é que se deixou prender. Cresceu na capital, a avó ensinou-lhe tudo sobre as mulheres do passado que, tendo ousado lutar pela liberdade, sofreram as consequências dos seus ideais. E, porém, Isabel deixou-se levar para um casamento que começou por ser inebriante, mas não tardou a tornar-se opressivo. Tem sonhos, tem visões de liberdade. Mas, para os alcançar, precisa de se livrar do casamento a que se prendeu, seja de que maneira for. E sabe que também isso terá consequências. Mas procura nos ensinamentos da avó e no exemplo dessas outras mulheres a força para decidir o que fazer. E o preço será o que tiver de ser.
Bastam umas poucas linhas lidas para descobrir a primeira das várias forças deste livro: a escrita. Não só pelo ritmo natural e envolvente que faz com que seja fácil entrar neste mundo tão místico e inesperado, mas o próprio registo, que parece adaptar-se na perfeição à mente da protagonista. Pela voz de Isabel, o autor faz-nos caminhar pela ténue linha entre a realidade e o mito, e a condução é feita com mestria. Pois, entrando na mente e nas memórias de Isabel, constrói um delicado equilíbrio entre passado, presente e futuro da protagonista e os mesmos múltiplos tempos de inúmeras outras mulheres.
Ora, este equilíbrio ganha uma outra dimensão se se tiver em conta que a mente da protagonista parece divagar entre diferentes tempos e diferentes histórias, num enredo em que, apesar dos grandes acontecimentos, parece ser a introspecção e a compreensão de si mesmo o essencial. Assim, Isabel perde-se em memórias, em pensamentos, em ensinamentos e descobertas - sem que o ritmo do enredo nunca se torne denso, nem distante, nem apagado. Há vida nos acontecimentos, como há vida no lado místico e filosófico que se afirma no modo de vida da protagonista. E isso é também parte do que torna esta leitura tão interessante.
Mas nada neste tom místico e pessoal faz com que a narrativa se afaste da realidade. Muito pelo contrário. Há muitas questões pertinentes ao longo deste texto e, sendo certo que são vistas de um ponto de vista pessoal, não deixam por isso de ser universais: a igualdade enquanto direito, o julgamento dos alegados defensores da moral e dos bons costumes, o poder dos rumores, principalmente nos meios pequenos, a violência de género, as imposições sociais. Tudo isto está presente no percurso de Isabel, formando também parte da base do seu percurso de libertação. E, assim sendo, a sua jornada pessoal tem subjacente uma mensagem mais ampla: o direito à liberdade como algo de universal.
Profundo, místico, complexo, e porém de uma envolvência surpreendente. Cativante, pertinente, maravilhosamente escrito. Tudo isto faz parte do que define este livro. Mas a essência, essa, está num relato íntimo que se torna universal, dando voz e vida a aspirações que, vividas de uma forma muito única, são ainda assim um elo comum a toda a humanidade. É isso, acima de tudo, que torna esta leitura memorável. E é por isto, por tudo isto, que a recomendo.
Título: Iluminações de uma Mulher Livre
Autor: Samuel F. Pimenta
Origem: Recebido para crítica
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