domingo, 26 de fevereiro de 2017

Há Cabelos que Sorriem (Diogo Antunes)

Memórias, paixões infantis, grandes experiências dos antepassados que moldam a vida de uma mente jovem. Recordações de uma África longínqua, onde o avô conheceu uma mulher cujos cabelos sorriam, onde construiu as raízes do que viria a ser uma criança que, dividida no cerne de uma família em desagregação, pensa apenas na sua paixão da infância - e numa forma, talvez, de reconstituir o que se perdeu. Silêncios, afectos fugidios, o fim à espreita... E a vida a três dimensões - passado, presente e futuro - vista pelos olhos de uma criança. De tudo isto e de mais se faz esta história.
Menos de cem páginas e uma inesperada complexidade - são estes os traços que se destacam deste breve, mas surpreendentemente profundo livro. Breve no todo, como nos capítulos que o constituem. Complexo nas emoções, na teia de memórias e de possibilidades que, vista pelo olhar de uma criança, esbate as fronteiras entre o real e o imaginário. E profundo nas emoções que desperta, mesmo quando a abstracção do que é deixado por dizer parece deixar mais perguntas que respostas.
Na base de tudo isto, há dois aspectos fundamentais: o poder e vulnerabilidade da memória e a voz de uma escrita que parece fluir ao ritmo dos pensamentos. Escrita que, ao oscilar entre tempos e lugares, entre acontecimentos reais e fragmentos de imaginação, parece percorrer múltiplas mentes, sem nunca se afastar do pensamento do protagonista. E o que mais surpreende é que nem tudo se torna claro. Nalguns casos, o que está realmente a acontecer é apenas do conhecimento do narrador. E, ainda assim, tudo parece certo. As palavras fluem com naturalidade, mesmo quando as perguntas sem resposta e o entrelaçar de diferentes vivências parecem deixar sentimentos ambíguos e curiosidade insatisfeita. E, assim, aquilo que é dito acaba por pesar sempre mais do que o que fica por dizer.
Fica a sensação de que mais haveria a dizer sobre esta história - ou histórias entrelaçadas. Ainda assim, e inevitável a convicção de que o essencial está presente. E quanto ao resto... bem, numa história em que o imaginário parece ser tão importante como o real, não deixa de fazer sentido que parte das explicações sejam deixadas à imaginação. 
É esta, pois, a impressão que fica da soma das partes: a de uma história intrincada, mas natural, em que inocência e experiência se conjugam para formar uma teia mais vasta. E em que tudo é possível, ainda que nem tudo tenha explicação. Cativante, surpreendente e equilibrado, trata-se, pois, de um livro que pouco perde pela brevidade, pois deixa espaço para o que se pode imaginar. E também isso faz dele uma boa leitura.

Título: Há Cabelos que Sorriem
Autor: Diogo Antunes
Origem: Recebido para crítica

1 comentário:

  1. Estou sem palavras para descrever a satisfação que senti ao ler o seu texto sobre o meu livro. Muito obrigado, de coração.
    Com os melhores cumprimentos,

    Diogo Antunes

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