No dia em que a viu dar o primeiro beijo, a avó de Janie decidiu que estava na altura de a casar. E a vontade da neta era irrelevante, quando comparada com os planos que a avó criara para o seu futuro. Começa assim o percurso de uma rapariga cheia de sonhos e de ilusões, determinada naquilo em que acredita, mas obrigada a viver segundo as regras e as ideias do seu tempo. Uma história de amor(es), da descoberta de si mesma e de um mundo em que os preconceitos são demasiado globais para ignorar.
Este é um livro que exige atenção a quem o lê. Por vários motivos. Primeiro, a forma de falar das personagens exige uma certa adaptação da parte do leitor, o que torna a leitura um pouco lenta, a princípio. Depois, há muito na história de Janie que reflecte o mundo à sua volta e isto apela, em muitos aspectos, a uma reflexão atenta. Preconceitos raciais, o papel da mulher num mundo de homens, o casamento exigido pelos costumes (deixando de parte os afectos e tendo em conta principalmente outros interesses) são apenas alguns dos grandes temas abordados ao longo da narrativa. E é curioso a forma como a autora apela à reflexão sobre todos estes temas, numa história que é, afinal, relativamente curta (há, inclusive, alguns momentos em que as coisas parecem acontecer de forma um pouco abrupta), mas onde há muito para descobrir.
Janie é uma figura fascinante, quer na sua natureza, quer no seu percurso de crescimento. Da rapariga que julgava que o amor viria com o tempo de casamento, à mulher que se submete às vontades do seu segundo marido e até à pessoa que se descobre a si mesma no verdadeiro amor que impõe apenas as restrições de uma vida em conjunto e não o esforço de uma vida adequada às aparências, Janie é, em tudo, um reflexo do seu tempo. E é aos poucos que esta protagonista conquista o leitor, com as suas escolhas, as suas pequenas contradições e o coração aberto que contribui para que o final tenha, por fim, o impacto emocional que tem.
Retrato preciso de uma época de preconceitos, de apego aos costumes e até de algumas contradições (e aqui importa ainda referir o posfácio e as notas finais, muito esclarecedoras a nível de contextualização do romance), De Olhos Pousados em Deus é uma obra com muito que assimilar e que, a princípio, exige ao leitor uma boa medida de atenção. Marca, contudo, principalmente pela força com que aborda os temas importantes e pela posição da protagonista perante a vida. Gostei.
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