Para Nadia, tudo mudou quando a guerra chegou ao Afeganistão e uma bomba atingiu a sua casa. Tinha então oito anos e a vida tal como a conhecia desapareceu. Depois de uma longa recuperação em circunstâncias complicadas, Nadia tem de aprender a viver sobre as novas regras do regime talibã. E, quando a família precisa da sua força para subsistir, Nadia põe de parte a própria identidade e decide procurar trabalho da única forma possível: disfarçando-se de rapaz.
Comparativamente a outras histórias deste género, há algo que imediatamente se destaca. No caso de Nadia, não é na família e nas suas crenças religiosas que reside o problema. O que transparece, aliás, é uma vida normal como ponto de partida, uma vida abalada pela guerra, que leva Nadia e a sua família a encontrar novos caminhos de subsistência. É, talvez, essa normalidade que define uma vontade que é clara no discurso de Nadia: o desejo de ser dona da sua vida, de atingir uma normalidade que lhe permita sempre viver. E isto é evidente tanto na duplicidade de viver como ela própria e como rapaz, como na necessidade de se dobrar a exigências (nalguns casos, de índole duvidosa) de algumas organizações, de modo a conseguir alguma ajuda.
A história é marcante, claro, mas, tanto como a luta pessoal de Nadia, há dois aspectos em particular que importa referir. Um deles é o tom da narrativa, sereno, recordando o passado de forma empática, mas sem grandes dramatismos. O outro é o retrato da cultura e das mudanças que cada conflito operou sobre o quotidiano no Afeganistão. Diferenças a nível do papel da mulher, mas também a nível de exigências religiosas e mesmo de interacção social.
Mais que uma simples história de sobrevivência, trata-se, portanto, do retrato de um povo em tempos conturbados. E também de uma história real, contada de forma directa, sobre o crescimento de uma rapariga a descobrir o seu papel num mundo de conflitos e dificuldades. Uma leitura marcante, em suma.
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