terça-feira, 7 de novembro de 2017

O Rapaz que Contava Histórias (Zana Fraillon)

Subhi não conhece outro mundo que não o delimitado pelas cercas do campo de refugiados. Ainda assim, traz consigo todos os sonhos do mundo e, embora vivendo com muito pouco, encontra nas histórias um sentido para a sua vida. Até que, um dia, o tamanho do mundo expande-se. Um buraco na vedação leva-o a conhecer Jimmie, que vive do outro lado do campo e tem um caderno deixado pela mãe que está cheio de histórias que ela não consegue ler. E, a cada nova história partilhada, cria-se uma proximidade mais forte que todas as cercas que o separam - e a certeza da liberdade ali tão perto.
Pese embora a relativa brevidade e a inocência que a voz de Subhi confere a todo o enredo, este não é propriamente um livro fácil de digerir. Primeiro, porque a impressão inicial é de alguma confusão. Confusão essa que faz todo o sentido, entenda-se, tendo em conta as circunstâncias do protagonista, mas que, ainda assim custa um bocadinho a assimilar, de início. E depois porque o tema em si, e a realidade que reflecte, é em si mesmo muito duro - tal como são os episódios que lhe dão forma.
Dito isto, dificilmente poderia ser um livro mais relevante. A fazer lembrar um pouco O Rapaz do Pijama às Riscas, na medida em que apresenta também dois mundos em colisão, este livro põe em destaque as verdades mais simples e mais cruéis de uma das questões mais relevantes do nosso tempo. As dificuldades da vida de Subhi no campo de refugiados e o caos em que por vezes se move tornam bem claros os obstáculos levantados à diferença. E a forma como o enredo evolui apenas põe mais em evidência estas barreiras, seja nas simples diferenças que separam Subhi e Jimmie, seja nos obstáculos externos que se contrapõem à amizade de ambos.
E assim surge um contraste impressionante: o da inocência do protagonista face à crueldade da situação. Contraste que se nota, desde logo, na voz que conta a história e que vai ganhando intensidade à medida que as dificuldades se sucedem, culminando num final de abalar a memória... e ficar de coração apertado.
Pertinente, actual, repleto de emoções fortes e com uma visão maravilhosa do valor da amizade mesmo nos tempos mais negros, pode não ser propriamente a mais leve das leituras. Mas uma coisa é certa: passada a confusão inicial, as qualidades que moldam uma leitura marcante estão todas bem presentes neste livro. Gostei.

Título: O Rapaz que Contava Histórias
Autora: Zana Fraillon
Origem: Recebido para crítica

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