segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Em Chamas (Thomas Enger)

Henning Juul era um jornalista de sucesso, até à tragédia que pôs a sua vida em suspenso. Agora, dois anos passados desde o trauma, regressa ao trabalho, sem saber muito bem qual é o seu lugar ou como recomeçar. E começa em grande: uma estudante universitária foi encontrada numa tenda, com sinais de apedrejamento e flagelação, além de uma mão cortada. O caso promete tornar-se mediático e basta o enigma para atrair Henning à investigação. Só que nada é o que parece e a suspeita inicial de um crime de honra não tarda a dar lugar a uma intriga de contornos bastante mais elaborados. A notícia tornou-se um quebra-cabeças. E Henning Juul não vai parar até o resolver.
Um grande mistério, escrito de forma intensa e com um protagonista forte: bastam estas três características para pôr em evidência a qualidade do livro. A história cativa desde as primeiras páginas, com o mistério do que aconteceu na tenda a associar-se a elementos delicados (como a questão de um alegado choque cultural e uns quantos inimigos do piorio) e a um percurso pessoal que deixou marcas para dar forma a uma leitura viciante e cheia de surpresas. A escrita, com os seus capítulos curtos e directos, mas com intensos e precisos mergulhos aos abismos da alma do protagonista, atinge o equilíbrio perfeito entre tensão, mistério e emoção. E Henning Juul... bem, Henning Juul é fascinante, com o seu passado trágico e os seus esforços por recuperar o controlo da vida.
O que leva, naturalmente, a outro dos grandes pontos fortes deste livro: a construção das personagens. Não só de Henning, embora baste ele para realçar esta faceta particularmente marcante, mas de todas as personagens. Há uma moralidade ambígua, como que uma imperfeição subjacente, em cada uma das personagens mais relevantes: de Brogeland, com a sua obsessão pouco profissional com a colega em contraponto à eficiência que demonstra no seu trabalho, a Heidi, cuja posição é toda ela fonte de ambiguidades, passando, é claro, pela peculiar Annette, cujos segredos ninguém parece conseguir alcançar, e pelo enigmático 6tiermes7, elo de ligação e fonte de distância. E é uma ambiguidade que faz sentido, pois humaniza as personagens, tornando-as muito mais reais do que uma simples divisão entre bons e maus alguma vez poderia fazer. Além do mais, o protagonista é jornalista, algo que lhe basta para despertar amores e ódios.
Mas voltando ao caso. Sendo este o primeiro volume de uma série, é apenas de esperar que fiquem perguntas sem resposta. E ficam, de facto, mas essencialmente acerca da história pessoal de Henning. O caso em si é perfeitamente independente, com princípio, meio e um final bastante inesperado. Também aqui há um equilíbrio bem conseguido: uma história que atinge um fim satisfatório, mas que tem subjacente uma outra história, deixando por isso uma vontade imensa de ler os volumes seguintes da série.
Intenso, viciante, cheio de surpresas e com um protagonista que apenas se torna mais forte pela sua evidente vulnerabilidade, cativa desde as primeiras páginas e não deixa de surpreender até ao fim. Não se poderia, pois, pedir muito mais a um início de série. Uma série - e um protagonista - a acompanhar. 

Título: Em Chamas
Autor: Thomas Enger
Origem: Recebido para crítica

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