Assombrada por uma terrível maldição que a condenou à ausência de qualquer toque, Korinna, feiticeira exilada, suplica a Theron, também ele um feiticeiro no exílio, que encontre uma solução para a sua trágica condição. Em troca, oferece-lhe os meios para a vingança que procura. Mas Theron, inicialmente seduzido por essa proposta, vê toda a sua natureza posta em causa quando a criança que decidiu gerar para responder à maldição - bem como a mãe dessa criança - lhe conquistam o seu coração negro. Algo assim só pode acabar em tragédia: Eivor, princesa da Gente Bela, acaba fulminada pela maldição, mas não sem antes afastar o filho da influência de Theron. E é esse filho, Mikkel, que, criado no seio de uma tribo nómada, abrirá caminho a uma mudança. Pois algo de grandioso lhe está destinado e a descoberta da sua identidade trar-lhe-á os maiores dilemas.
Um dos primeiros aspectos a marcar neste livro é a mistura de novidade e familiaridade que desde as primeiras páginas se faz sentir. O mundo é conhecido, pelo menos para quem já leu A Saga das Pedras Mágicas, o que faz com que a magia e a forma como esta funciona sejam já relativamente conhecidas. Mas tudo o resto - personagens, enredo, mistérios e revelações - é novo, o que significa que esta é deveras uma nova aventura, completamente independente.
Como é característico da autora, trata-se também de uma história profundamente emotiva, repleta de momentos de tensão, explosões emocionais e sofrimentos que abrem caminho ou ao abismo ou à redenção. É isso, também, que torna a leitura tão empolgante: a absurda facilidade de sentir o que as personagens sentem, de partilhar das suas dúvidas e hesitações, de torcer pela redenção possível e de admirar os seus esforços e sacrifícios. Daqui emerge, aliás, outro ponto notável: o facto de, apesar de haver uma linha relativamente clara entre bem e mal, as personagens serem tudo menos perfeita. Isto reflecte-se, acima de tudo, em Mikkel, cuja dupla natureza o coloca numa situação particularmente delicada. Mas nem a Gente Bela é imaculadamente pura, nem Theron é absolutamente malévolo. Ninguém é perfeito, em suma, e é também isso que torna a história tão marcante.
Há ainda uma outra faceta a salientar: é que, sendo uma história que vive, em grande parte, de emoção e de magia, é particularmente impressionante a forma como estes dois elementos dominam não só a história, mas também a própria escrita. Há como que uma poesia na forma como a autora descreve as emoções e conflitos interiores das personagens, e também isso faz com que a história seja mais viva, mais mágica. Além claro, de enfatizar a beleza deste mundo tão longínquo quanto familiar.
É esta, pois, a imagem que fica na memória: a de uma história repleta de personagens fortes, empáticas e, acima de tudo, humanas e vulneráveis, com uma nova surpresa ao virar de cada página, seja ela um laivo de sentimento ou uma grande revelação. Cativante, emotivo e muito emocionante, um livro mágico, em suma.
Título: A Noite do Caçador
Autora: Sandra Carvalho
Origem: Recebido para crítica
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