Primeiro foi a mãe que saiu de casa, incapaz de suportar mais a vida que tinha naquele local isolado. A seguir, foram os irmãos. E Kya foi ficando cada vez mais sozinha, primeiro com a sombra dos problemas do pai, depois com a solidão absoluta do pantanal e da imensa natureza em seu redor. Foi crescendo, com a ajuda de uns poucos e a sua própria determinação, mas sem nunca perder a certeza de que qualquer pessoa que entrasse no seu mundo acabaria por a abandonar. Agora, um homem foi encontrado inexplicavelmente morto e as suspeitas não tardam a cair sobre a Miúda do Pantanal, aquela que todos sempre viram como diferente e alimento de todo o tipo de rumores. Mas será Kya realmente responsável pela morte de Chase, apesar de todas as sombras do seu passado. E mais importante ainda: alguém acreditará na sua inocência?
Embora haja uma morte e um mistério entrelaçados nas linhas desta narrativa, mistério esse que contribuirá em muito para a intensidade da fase final, uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que o seu cerne está noutro lugar. Não é a morte de Chase Andrews a linha mais marcante do enredo, mas sim Kya. Kya, criança abandonada, Kya, jovem em crescimento nos braços da solidão, Kya, que, de cada vez que tenta abrir-se um pouco, se depara com muros e abandono. O que realmente fica desta leitura é, pois, acima de tudo, uma impacto emocional devastador, pois é difícil não sentir com Kya, com a sua imensa solidão nos braços da natureza, com a sua mente brilhante perdida no silêncio do pantanal.
É também uma sucessão de sentimentos intensos, que passam da estranheza inicial à empatia, depois à dúvida e a uma convicção precariamente equilibrada até à derradeira resposta. E há em tudo isto uma estranha beleza, que transborda não só da evolução dos acontecimentos, com os muitos momentos marcantes e picos de intensidade a contrastar com a serenidade da relação de Kya com o pantanal, mas também da harmonia das próprias palavras. Há algo de fascinante na voz que conta esta história, como que uma certa poesia. E também isto torna os sentimentos mais fortes, pois a fluidez das palavras torna mais fácil entrar na pele - e no coração - da protagonista.
E há uma morte e um mistério, cuja presença começa por parecer secundária e depois vai ganhando intensidade até se transformar no cerne da fase final. Não é o elemento fulcral, mas acrescenta vida à história. E quanto à sua resolução... bem, é difícil de explicar sem revelar demasiado, mas a impressão que fica é que dificilmente poderia ter sido mais adequada.
Magia nas palavras, emoção a cada instante e uma história que é tanto o desvendar de um mistério como o desabrochar de um percurso de descoberta pessoal entre as sombras: assim é a história de Kya, lá longe, onde o vento chora. E que belíssima história que esta é.
Título: Lá, Onde o Vento Chora
Autora: Delia Owens
Origem: Recebido para crítica
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