Na esperança de que Paul viesse a conhecer uma rapariga agradável, os pais inscreveram-no num clube de ténis. Mas Paul acabaria por frustrar as expectativas, interessando-se antes por uma mulher casada de quarenta e muitos. Susan tem uma natureza divertida e um carisma que o atrai imediatamente. A diferença de idades é grande, mas são ambos inexperientes à sua maneira. E, contra tudo e contra todos, um amor profundo começa a nascer, desafiando convenções, as pessoas mais próximas e até a própria natureza de cada um deles. Mas amar mais é sofrer mais. O tempo passa, as divergências e dificuldades começam a manifestar-se... e o amor ardente capaz de superar todas as barreiras transforma-se em algo mais baço.
Basta um olhar à premissa deste livro para perceber que dificilmente se tratará de uma história de amor convencional. Não o é, de facto. Mas isso não se deve apenas à diferença de idade entre os protagonistas ou até mesmo às diferenças de temperamento e aos comportamentos destrutivos em que começam a incorrer. Não. A própria essência do que os une é peculiar, pois é uma história onde o amor não é perfeito, tal como as personagens não o são, e onde instintos de protecção e de devoção profunda convivem e se misturam com actos e decisões de puro egoísmo.
Talvez seja por isso que nenhum dos protagonistas desperta uma empatia duradoura, criando antes uma proximidade a espaços. Susan nos seus momentos divertidos, no impacto da violência e na sua própria visão fugaz mas certeira de como aquilo não poderá ser para sempre. Paul na lembrança de que tem apenas dezanove anos, de que sabe muito menos do que pensa e nos fugazes laivos de afecto que surgem por entre os passos mais cruéis. Não são pessoas absolutamente boas - têm um lado bom e um lado mau, e às vezes é este último a ganhar. Mas, se isso os distancia um pouco, a verdade é que também os torna mais realistas.
Há ainda uma outra faceta peculiar que diz respeito ao equilíbrio entre interior e exterior. Um dos elementos dominantes na narrativa é o quebrar das regras implícitas resultante da diferença de idades entre Susan e Paul, o que implica um julgamento externo, mas toda a essência da história parece viver mais do que se passa no interior dos protagonistas. O olhar que percorre a narrativa é o de Paul, as dúvidas, as decisões, os recuos e os comportamentos são essencialmente seus, tal como o são os pensamentos mais notáveis. E, do equilíbrio entre estas duas facetas, o que emerge é um registo muito introspectivo - o registo de quem recorda - que ora roça os abismos do sentimento mais profundo, ora ascende ao pragmatismo das coisas palpáveis. E note-se que Paul pode até tentar convencer-se a si mesmo da bondade das suas decisões - mas, mesmo da sua perspectiva, essas decisões são questionadas.
Terminada a leitura, fica uma estranha sensação de ambiguidade, de ter percorrido um caminho na companhia de alguém de quem não gostamos assim tanto, mas que, de certa forma, compreendemos. É essa possivelmente a grande força deste livro: a de fazer de uma moral ambígua e que questiona os próprios preceitos da moral a história de um percurso notável. Surpreendente, equilibrado e com vários momentos notáveis, acaba, quase sem querer, por se tornar também uma memória. Marcante, à sua maneira. Como as de Paul.
Título: A Única História
Autor: Julian Barnes
Origem: Recebido para crítica
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