Jónas Ebeneser sente que já não tem nada a perder. Divorciado, sozinho, com uma vida que lhe parece não ter qualquer importância, acaba de descobrir que não é o pai biológico da que julgava ser sua filha e, por isso, decide acabar com a vida. Mas o suicídio não é um acto assim tão simples, e muito menos para alguém que sente a necessidade de consertar tudo o que precisa de conserto. Decide então viajar para o país menos seguro do mundo, onde a guerra fará com que a sua morte rapidamente caia no esquecimento. No Hotel Silêncio, porém, aguarda-o uma outra vida: uma vida onde ele é necessário, ainda que apenas para as pequenas coisas que consegue consertar num país devastado.
Narrado essencialmente da perspectiva do protagonista, e de um protagonista cuja mente está perturbada, este é um livro que vive tanto das impressões como dos acontecimentos. É também um percurso em duas fases: o mergulho no abismo e a recuperação possível. É, por isso, difícil descrever este livro de forma concreta, já que as marcas que deixa devem-se mais às profundezas da alma do protagonista do que propriamente a gestos e actos - ainda que também estes tenham a sua importância.
Há também como que um choque de sentimentos que se reflecte acima de tudo na escrita e que, através dela, é transposto para a narrativa. Tudo é descrito como que de uma certa distância, o que faz com que a situação de Jónas acabe por não despertar uma proximidade imediata, mas essa distância é também reflexo da apatia que parece ter tomado conta do protagonista. Vai-se, por isso, desvanecendo com a mudança de cenário e de interlocutores, sem nunca perder de vista a profunda introspecção que tanto marca a natureza do protagonista, mas mostrando também como que um ténue - mas notável - desabrochar.
No fim, é como se nada terminasse verdadeiramente - excepto aquilo que menos se esperava. O futuro de Jónas, se o tiver, fica à imaginação do leitor. E as possibilidades são surpreendentemente vastas, já que a estadia no Hotel Silêncio fez, involuntariamente, dele uma pessoa diferente. Fica, por isso, uma agradável ambiguidade, onde não há princípio e quase não há fim e onde a derradeira surpresa vem, ainda assim, de onde menos se espera.
Relativamente breve, leva, ainda assim, o seu tempo para assimilar a inesperadamente complexa teia de impressões e de emoções. Mas, cativante desde a primeira página e repleto de momentos e frases memoráveis, acaba, ainda assim, por marcar em todas as suas facetas e por surpreender tanto no que conta como no que deixa por dizer. Uma boa surpresa, em suma, e um livro que vale a pena descobrir.
Título: Hotel Silêncio
Autora: Auður Ava Ólafsdóttir
Origem: Recebido para crítica
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