Allison Weiss tem dificuldades em conciliar o trabalho, o cuidado com a filha e as exigências de uma casa que, apesar de já ter passado algum tempo, continua quase totalmente por decorar. O marido parece cada vez mais distante, as birras da filha cada vez mais insuportáveis e só os comprimidos que um médico em tempos lhe receitou para a dor de costas parecem ajudá-la a sentir-se normal. Allison acha que não tem um problema, mas, à medida que os comprimidos que toma começam a ser cada vez mais, adquiridos por vias cada vez mais duvidosas e de forma cada vez mais sorrateira, algo começa a tornar-se evidente: Allison está viciada. E a única forma de o fazer pode muito bem ser renunciar ao controlo e passar por um difícil processo de reabilitação.
Uma coisa que desde muito cedo se torna evidente neste livro é que não se trata de uma história onde as personagens despertem profunda e total empatia. Allison, com o seu problema e escolhas cada vez mais desequilibradas, desperta muitas vezes compaixão, mas tem o mesmo condão de irritar. E aqueles que a rodeiam estão muito longe de ser o apoio perfeito e incondicional que talvez fosse de esperar. Contudo, e surpreendentemente, isto acaba por não prejudicar a história. Se inicialmente se sente uma maior distância relativamente às personagens, com o evoluir do enredo há uma visão mais ampla a vir à superfície: a de que ninguém é perfeito, nem uma perfeita vítima nem um vilão absoluto. E que a vida é sempre mais complexa e difícil do que parece vista de fora.
Outro aspecto a destacar é que não se trata, de modo algum, de uma história simples. Claro que a linha geral é bastante clara e pretende ser uma história de queda e recuperação. Mas a autora consegue expandir a narrativa para múltiplos aspectos, fazendo deste romance mais do que a história de alguém que luta contra o vício. Há os problemas familiares, o papel de Allison enquanto mulher na vida do casal, o problema das receitas médicas pouco ou nada controladas e até a forma de funcionamento das instituições de reabilitação. São muitos, afinal, os temas pertinentes e, se as imperfeições das personagens fazem com que não gostemos tanto delas, também fazem com que as complexidades do tema ganhem uma maior clareza.
E há ainda a escrita propriamente dita. Ao narrar a história da perspectiva de Allison, a autora abre uma porta para os seus pensamentos, tanto quando tenta conduzir os seus passos com relativa normalidade como no seu mergulho em direcção ao vício. Isto pode tornar a visão dos acontecimentos um pouco parcial, mas torna também mais nítidos os sentimentos e frustrações da protagonista, além claro, de permitir uma visão mais próxima do que vai na cabeça de Allison e do que a preocupa.
A história termina com algumas perguntas sem resposta, mas acima de tudo com a sensação de uma conclusão adequada. E é também por isso que a imagem que fica na memória acaba por ser muito positiva: a de uma história relevante, nos temas e no percurso, cativante e com vários momentos notáveis. Marcante, em suma, e uma boa leitura.
Título: Em Queda Livre
Autora: Jennifer Weiner
Origem: Recebido para crítica
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