Há já algum tempo que a seca dura na Califórnia e, apesar de terem sido aprovadas algumas leis para combater o problema, não foram de todo suficientes. Agora, a água deixou de jorrar das torneiras e ninguém sabe ao certo quanto tempo o problema vai durar. Mas uma coisa é certa: sem água não se sobrevive e há quem esteja disposto a tudo para sobreviver. É neste cenário que Alyssa, o seu irmão Garrett, e Kelton, o seu vizinho estranho, se vêem longe do mundo que julgavam conhecer e empurrados para uma brutal luta pela sobrevivência.
Um dos aspectos mais impressionantes deste livro, e também certamente o mais perturbador, é a facilidade com que permite imaginar o cenário desta história transposto para a vida real. A manifestação da catástrofe e a passagem para modo de sobrevivência são manifestamente compreensíveis, mas há um impacto crescente à medida que o lado mais negro e desesperado das pessoas vem à tona. E o mais aterrador de tudo é a rapidez com que tudo acontece. A história abrange muito poucos dias e, contudo, a civilização parece colapsar. E é assustador imaginar isto numa realidade não muito distante.
Parte do que torna isto tão realista é também a construção das personagens. Alyssa, Kelton, Garrett, Jacqui e Henry, as principais figuras deste livro, podem ser vistos como os heróis da narrativa, mas não são propriamente heróis. São personagens a lutar pelas suas vidas postas perante um cenário inimaginável: e isto implica decisões impensáveis, comportamentos (no mínimo) censuráveis e fantasmas que, caso o problema venha a ser superado, perdurarão para sempre. Também isto impressiona, pois, além de recordar que a perfeição não existe, põe o mundo e os acontecimentos narrados numa perspectiva diferente: uma em que tudo é possível nas condições certas.
Até a própria escrita parece maximizar este impacto. Ao contar a história na primeira pessoa, mas de diferentes perspectivas, os autores abrem as portas dos pensamentos, dilemas e decisões das suas personagens, o que contribui em muito para gerar emoções mais fortes. Há quem desperte empatia e há quem desperte aversão. Depois, com o evoluir dos acontecimentos, estes sentimentos vão-se transformando em algo mais ambíguo, mais complexo - como as circunstâncias que desencadearam estas mudanças. E, quando tudo termina, já ninguém é o mesmo. As marcas ficaram, as coisas mudaram. E isso - esse final em que tudo é novo e, mais uma vez, nada é perfeito - torna também a história muito mais realista.
Chega-se, pois, ao fim com a melhor das impressões: a de um livro complexo, mas viciante, com personagens marcantes e um enredo tão surpreendente, mas tão aterradoramente próximo, que é impossível não ficar gravado na memória. Intenso, surpreendente e, principalmente, muito relevante, um livro que não posso deixar de recomendar.
Título: Seca
Autores: Neal Shusterman e Jarrod Shusterman
Origem: Recebido para crítica
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