Quem é John Galt? De uma questão genuína, esta pergunta passou a ser expressão de inevitabilidade, de desespero, da incompreensibilidade da vida. Há, no entanto, muito a acontecer no mundo e uma ordem social onde os valores se tornaram um obstáculo a eliminar. No centro de tudo isto, está Dagny Taggart com a sua ambição de salvar a empresa familiar, de construir algo que nunca antes foi feito e de obter com isso o máximo lucro possível. No poder, porém, parecem estar adversários que não compreendem a sua ambição, dispostos aparentemente a sacrificar tudo em nome de princípios que, para ela, são incompreensíveis. Ainda assim, talhada para o sucesso contra tudo e contra todos, Dagny não está disposta a desistir.
Descrito como o romance que serve de base a toda uma filosofia, é importante olhar para esta leitura tendo em conta as suas facetas: vendo como apenas uma história e analisando depois os ideais que a fundamentam. É esta, aliás, a fonte da grande ambiguidade que fica ao terminar de ler este primeiro volume: enquanto história, é cativante, desperta interesse e até emoções fortes relativamente às diferentes personagens e consegue gerar momentos de grande intensidade. Enquanto filosofia, é perturbador.
Seria agradável poder separar integralmente estas duas facetas, até porque há na construção das personagens algo de estranhamente fascinante. Há uma certa inevitável empatia ante a história de alguém que parece lutar contra tudo e todos, procurando o seu lugar no mundo e construindo quando todos os outros procuram destruir. Há também uma certa envolvência na descoberta de laivos de sentimento numa história que vive tanto de mecanismos, esquemas, planos de construção e manobras legislativas. E há ainda várias surpresas, sendo a maior delas a forma como este primeiro volume termina, com um gesto dramático particularmente marcante.
Só que tudo muda ao olhar para os ideais, para um sistema onde os sistemas sociais, a atenção aos mais fracos, a definição de valores morais como o altruísmo, o auxílio aos mais fracos e até a simples aspiração a algo mais além da prosperidade financeira são ridicularizados. Levados ao extremo, representados como uma matilha de predadores destinados a cair sobre os bem-sucedidos, os que olham para o mundo como mais que lucro são representados como vilões, adversários implacáveis, enquanto o individualismo dos protagonistas, sem ver mais do que os seus próprios objectivos, é glorificado. E o que torna tudo mais perturbador é que esta inversão de valores não é tão linear como esta descrição, já que o evoluir do enredo consegue mesmo, a espaços, insinuar uma relutante compreensão relativamente à posição das personagens. As impressões oscilam, pois, constantemente entre a inevitável vontade de continuar a seguir o percurso dos protagonistas, de ver como vencerão as barreiras com que se confrontam, e o sempre renovado impacto de saber que essas barreiras são afinal uma versão caricatural de valores genuinamente importantes.
Tudo se faz, pois, de ambiguidade, e de uma ambiguidade que permanece depois de terminada a leitura, pois fica ainda a curiosidade em ver que evolução ocorre nos restantes volumes da obra. Fica, por isso, esta contradição: de uma história que consegue ser estranhamente cativante, mas cujos ideais importa questionar.
Título: A Revolta de Atlas - Volume 1
Autora: Ayn Rand
Origem: Recebido para crítica
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