Em tempos, os portugueses espalharam-se um pouco por todo o mundo. Agora, o padrão inverteu-se e Portugal foi povoado por uma série de comunidades de diferentes origens e costumes, mas que convivem em grande harmonia e com uma organização bastante eficiente. Só que a paz alcançada pelo equilíbrio entre as diferentes comunidades pode não ser tão sólida como parece. Basta um problema pessoal para pôr tudo em causa. Quando um jovem angolano vê a namorada cabo-verdiana trocá-lo pelo seu professor português, surgem os primeiros sinais do que pode acabar numa guerra pelas ruas. Por isso, os líderes das diferentes comunidades têm de tomar medidas, transformando o triângulo amoroso num problema nacional.
Embora situado num futuro imaginário, é na naturalidade com que os elementos diferentes se conjugam com a nossa realidade que está a faceta mais memorável deste livro. Se a transposição para um Portugal multicultural, povoado por comunidades étnicas autónomas em convívio harmonioso, está ainda longe do presente onde prevalecem ainda uns quantos preconceitos, a forma como a situação principal é gerida tem muito em comum com os nossos dias: desde a aparente separação de poderes (que, às vezes, precisa de ser contornada) ao direito à manifestação (mas, se possível, sem incomodar muito), é possível reconhecer nas altas instâncias deste cenário futuro certos comportamentos e ideias que facilmente encontraríamos nos jornais e redes sociais dos dias de hoje. Cenário diferente, portanto, mas com muito que permanece igual, abrindo assim espaço também para uma interessante crítica à sociedade presente.
Trata-se de um livro relativamente breve, ficando às vezes a sensação de que alguns momentos (como, por exemplo, o julgamento de Tomás Silveira) podiam ter sido um pouco mais desenvolvidos. Mas, curiosamente, também esta brevidade faz algum sentido, já que é um caso particular que serve de base a uma movimentação mais ampla. A história de Teresinha, Nelson e do professor Tomás Silveira não é apenas a tal história de amor a alta velocidade descrita na capa. É um acontecimento que abala o contexto político do seu tempo, fazendo todo o sentido que os percursos individuais se esbatam, por vezes, em nome do contexto global.
E, claro, neste livro todo ele de contrastes, há ainda um último a destacar: o contraste entre um ritmo relativamente pausado, em que longas descrições do contexto se tornam essenciais para compreender certas movimentações, e a leveza resultante da estranheza que paira sobre todos os acontecimentos. É uma ideia peculiar, afinal, a de uma relação amorosa capaz de abalar um país inteiro. E esta premissa inesperada torna tudo estranhamente divertido, mesmo quando as questões que surgem impõem uma certa seriedade ao tema.
Breve e invulgar, leve, mas estranhamente complexo, trata-se, pois, de um livro que conjuga um futuro não muito distante com várias questões marcantes do presente. E que, através do equilíbrio entre uma estranha história de amor e as meandros de uma política distinta, mas com muitos pontos em comum com as dos nossos dias, proporciona, ao mesmo tempo, uma leitura divertida e uma série de bases para reflexão. Vale a pena, pois, embarcar nesta viagem a alta velocidade. Sem dúvida.
Título: Lenguluka
Autor: Onofre dos Santos
Origem: Recebido para crítica
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