Flynne e Burton vivem num futuro aparentemente não muito longínquo, mas em que múltiplas viragens na economia e não só alteraram todo o funcionamento do sistema. Agora, as poucas opções viáveis de emprego prendem-se com negócios obscuros, drogas e as forças militares - com consequências desastrosas. É, pois, a fazer alguns biscates que Flynne e Burton sobrevivem... até ao dia em que, substituindo o irmão num desses trabalhos, Flynne assiste a algo que não devia ter visto. O que julgava ser um jogo é afinal um futuro diferente do seu. E o facto de ser a única testemunha de um homicídio faz com que haja gente nesse futuro muito interessada em contactá-la... ou silenciá-la.
Não é propriamente fácil falar sobre este livro, pelo menos não sem correr o risco de desvendar algo de importante para a resolução do enredo. Desde o início que são tantos os elementos entrelaçados ou em colisão que é difícil escolher uma linha específica para traçar uma descrição do enredo sem deixar de fora algo importante ou sem dizer demasiado. Talvez por isso a impressão inicial seja de uma certa confusão, com uma vastidão de coisas novas a exigir atenção constante para assimilar tudo devidamente. Até que, uma vez entendidas as bases, se abre um estranho e fascinante mundo.
Mais do que a história e as próprias personagens (embora também estas tenham bastantes qualidades) é o mundo em si o que realmente intriga. Desde os contactos entre o passado e um futuro possível à movimentação de economias inteiras como se num tabuleiro de xadrez, passando pela tecnologia absolutamente inimaginável que, para algumas das personagens, parece ter-se tornado absolutamente normal, há neste livro toda uma vastidão de elementos únicos e é precisamente isso que o torna mais fascinante. E é esta mesma vastidão que faz com que a história seja inicialmente um pouco difícil de seguir e que depois surpreende a cada novo desenvolvimento. Afinal, com tantas possibilidades novas, também no enredo tudo acaba por ser possível.
E, claro, importa ainda olhar um pouco mais de perto das personagens. Longe de serem perfeitas, o que torna tudo inesperadamente mais real, conseguem, à sua maneira, deixar a sua marca. Flynne, perdida no meio de algo muito maior do que pensava, levada, às vezes, ao sabor da intriga, mas capaz de tomar decisões importantes quando realmente importa. Conner, o guerreiro caído, com o seu tão peculiar temperamento. Netherton, ligeiramente cobarde, mas com o coração no sítio certo. E figuras misteriosas como Ash e Lowbeer cuja verdadeira complexidade se revela aos poucos. É o mundo que é realmente novo, mas é a sua associação a personagens capazes de gerar empatia e proximidade, mesmo nas suas falhas, que torna a história memorável.
Complexo, surpreendente e cheio de pormenores inesperados, é um livro que levará o seu tempo a assimilar, mas que, passada a confusão inicial, cativa pelo seu equilíbrio entre a complexidade do mundo, a multiplicidade de possibilidades e a natureza ainda e sempre humana das suas personagens. Cativante, ainda que de ritmo pausado, começa por intrigar e rapidamente se torna memorável. E basta isto para fazer dele uma boa leitura.
Título: O Periférico
Autor: William Gibson
Origem: Recebido para crítica
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