Vivem-se os últimos dias da guerra colonial e, na Guiné, há quem apele aos guineenses que lutam ao lado dos portugueses para quem mudem de facção. Mas é possível que a lealdade ainda exista, mesmo no meio do caos e da morte. O tipo de lealdade que, onde é tudo é devastação, terá consequências igualmente esmagadoras.
Centrado num percurso individual, ainda que com um vasto contexto por trás, este é um livro que não é propriamente fácil de descrever, mesmo tendo em vista o contexto apresentado no final do livro. E, contudo, é inevitável que a sensação de confusão que parece pairar ao longo de toda a leitura pareça também estranhamente adequada: afinal é de guerra que se trata, e portanto de caos e morte. Faz, pois, sentido que o mesmo caos que submerge as personagens se expanda também para quem lê a sua história.
Parece ser, aliás, um caos meticulosamente construído, assente nas oscilações temporais, que passam de um momento cruel a um futuro de consequências igualmente brutais, mas também numa arte que confere a todos os momentos a sensação de brutalidade - e ao mesmo tempo de inutilidade - que parece caracterizar qualquer guerra. As próprias cores realçam este impacto, com o contraste entre o preto e branco dominante e os rasgos de cor nos momentos mais pungentes. É confuso, porque o cenário em que as personagens se movem é confuso - mas é precisamente isso que se pretende transmitir, e há em tudo isso uma certa mestria.
É também, em certa medida, uma história deliberadamente vaga, deixando em aberto as possibilidades de enquadramento deste percurso individual num contexto mais amplo. Também isto faz sentido, pois não é de um livro de história que se trata, mas de uma história muito específica. E se é certo que muito é deixado em aberto, ficando como que uma ambiguidade a pairar uma vez terminada a leitura, também o é que há uma lógica em tudo isto. Mais uma vez, guerra significa caos, e no caos não há espaço para finais imaculados.
A imagem que fica é, pois, a de uma leitura em que os acontecimentos se tornam impressões e em que a história de um único indivíduo abre espaço para uma reflexão sobre o impacto da guerra naqueles que a viveram por dentro. Peculiar, mas estranhamente marcante, um livro que vale a pena descobrir.
Título: Filhos do Rato
Autores: Luís Zhang e Fábio Veras
Origem: Recebido para crítica
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