Ella Barron não tem uma vida fácil. Sozinha e com um filho que quase todos vêm como sendo o idiota da vila, vê-se obrigada a gerir uma pensão para sobreviver, e fá-lo com toda a precisão e exigência. Mas tudo muda com a entrada em cena do senhor Rainwater. Chega na companhia do médico local para se hospedar na sua pensão, mas traz consigo um pesado segredo: não lhe resta muito tempo de vida. Há, ainda assim, algo que leva Ella a aceitá-lo, embora saiba que o tempo será limitado e que há sofrimento à espera no futuro. Mas David Rainwater é muito mais de que um homem à espera da morte e, nos tempos conturbados que todos vivem, entre a seca, a Grande Depressão e a crueldade dos homens poderosos, está decidido a deixar a sua marca antes do fim.
Parte do que torna este livro notável é a forma como a autora consegue, centrando-se essencialmente num grupo reduzido de personagens e sem expandir demasiado as complexidades do contexto em que a história decorre, abordar questões pertinentes, despertar emoções fortes e criar uma proximidade avassaladora relativamente aos seus protagonistas. Nem o passado de Ella nem o do senhor Rainwater são explorados a fundo, mas há, ainda assim, a sensação de que a história que carregam fez deles aquilo que são. E quanto ao presente, há toda uma série de desenvolvimentos, tanto nos grandes confrontos como nas pequenas coisas, a fazer vir à tona o melhor das personagens.
Embora não seja explorado a fundo, o contexto da época é crucial para o enredo e a verdade é que todos os elementos fundamentais são abordados com a máxima precisão. Situações como a do Irmão Calvin e a de Solly confrontam o leitor com um período em que o racismo era prevalente e a diferença podia ter consequências terríveis. O programa do governo e a sua aplicação põem em evidência um cenário em que aos poderosos tudo é permitido - com todos os conflitos, violências e manipulações associadas. E a situação de Ella, sozinha com o filho e a tentar manter uma reputação imaculada, realça o preconceito e as formas como este pode condicionar a vida de uma mulher. Tudo temas pertinentes, retratados segundo o período em que o enredo decorre, mas muitíssimo actuais.
E o que realmente marca é que, no meio de tudo isto, entre obstáculos, confrontos, dificuldades, há espaço para os sentimentos nobres. Não só o afecto que começa a crescer entre Ella e o senhor Rainwater, mas também a sua devoção ao filho, o espírito de solidariedade que une os habitantes da vila e até a coragem de enfrentar os poderosos numa batalha que parece perdida à partida. Há algo de profundamente memorável nos sentimentos fortes que emergem deste percurso. E se o final é parcialmente expectável, pelo menos no que toca a David Rainwater, já tudo o que rodeia esse facto inevitável é absolutamente surpreendente. E comovente também. Muito, muito comovente.
Com um núcleo relativamente conciso de personagens e uma história mais voltada para os seus percursos pessoais, embora não descurando o contexto global, trata-se, pois, de um livro que esconde sob a sua aparente simplicidade todo um poço de emoções fortes. Belo, emotivo e marcante em todos os aspectos, é, ao mesmo tempo, um apelo à reflexão e um diálogo com o coração do leitor. E, no fim, fica na memória, pois, como dizia o senhor Rainwater, seria impensável perder a beleza de um livro só pela possibilidade de o final ser triste. E beleza é algo que não falta a esta história.
Título: O Sacrifício de Um Homem
Autora: Sandra Brown
Origem: Recebido para crítica
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