Claire Wright sabe que nasceu para os palcos, para a sensação inebriante de construir uma personagem e de se transformar numa pessoa diferente. Mas, ao longo do caminho, houve alguns percalços e o resultado foi que, em vez de um lugar no teatro, Claire trabalha agora para uma firma de advogados como engodo para maridos infiéis. Banal, é verdade, mas dá para pagar as contas. Até ao dia em que se cruza com o primeiro homem que não consegue seduzir. Patrick Fogler parece pertencer à espécie rara dos maridos fiéis, pelo que a ansiedade da mulher parece inexplicável. Só que, no dia seguinte, Stella Fogler aparece morta. E, de engodo para maridos infiéis, Claire vê-se subitamente transformada em engodo para um potencial assassino em série, talvez o maior - ou o último - papel da sua vida.
Há ao longo de todo este livro como que uma natureza estranhamente viciante, que não é propriamente fácil de justificar, mas cuja presença é incontornável. Talvez se deva às sucessivas e impressionantes reviravoltas presentes ao longo de todo o enredo. Talvez à escassa fiabilidade das personagens, que faz com que tudo seja possível em todos os momentos. Ou talvez devido à conjugação destas facetas com um cenário inesperadamente mórbido e em que a vida e obra de Baudelaire funcionam como sinistro elemento motivador.
O que é certo é isto: é impossível parar de ler. A voz de Claire ao contar a história cria uma estranha e ambígua empatia, já que não se trata propriamente de uma protagonista imaculada, ao mesmo tempo que faz com que o enredo ganhe uma maior intensidade. Além disso, sendo Claire uma actriz que se imagina constantemente em palco, a sua forma de contar a história faz com que as coisas pareçam estar a acontecer mesmo diante dos nossos olhos. E, num enredo cheio de sombras e com um laivo vincadamente macabro (ainda que surpreendentemente pouco gráfico), esta dúvida constante entre o que é real e o que é encenado faz com que cada momento, por mais ínfimo que seja ou por mais dramático que pareça ser, ganhe um impacto ainda maior.
Ninguém está a salvo nesta história. Tanto Claire como Patrick ocupam, a espaços, o papel de testemunha, aliado e potencial suspeito. Ambos parecem conter uma faceta sombria que não é a visão simplista que o início da relação parecia insinuar. E, à medida que as coisas evoluem, há grandes revelações a surgir, todo o tabuleiro parece inverter-se... e, quando julgamos ter finalmente percebido o que se passa, eis que tudo muda novamente. Todo o enredo é uma sucessão de surpresas, o que, associado também à escrita directa e aos capítulos curtos e intensos, torna a leitura simplesmente irresistível.
Nada nem ninguém é o que parece nesta história. Constante só mesmo a intensidade do enredo. E, com a sua sucessão de surpresas e de reviravoltas, o que fica da leitura é uma viagem imperdível aos meandros mais sombrios do ser humano e das mentiras que contamos para criar uma versão melhor. Intenso, viciante e deliciosamente surpreendente, um livro que não posso deixar de recomendar.
Título: Acredita em Mim
Autor: JP Delaney
Origem: Recebido para crítica
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