sábado, 5 de junho de 2021

Criminal - Livro Quatro (Ed Brubaker e Sean Phillips)

Nascer num certo meio, com um determinado nome ou com certos amigos nem sempre é caminho aberto para uma vida de sucesso. Existem meios, nomes e amigos em que o caminho aponta inevitavelmente para uma vida de crime e de violência. Aqui, os negócios de família envolvem atividades pouco lícitas - ou nada lícitas mesmo - e quem se vê embrenhado nelas sabe que não existem verdadeiras saídas. Nem a prisão é segura. Nem a infância. Nem mesmo um sonho alternativo que acaba por se desfazer.
Sendo um dos elementos característicos desta série o equilíbrio entre a relativa independência de cada história e a intrincada teia de laços, intrigas e interesses que unem as várias personagens deste universo, uma das primeiras coisas a destacar deste volume específico é a presença de um novo laço. Bem, não totalmente novo, pois o universo do desenho e da banda desenhada já se tinha manifestado antes. Mas o elo comum é, desta vez, bastante mais evidente e, além de acrescentar um lado quase inocente aos desenvolvimentos, acrescenta também um poderoso contraste visual nas histórias (ou fragmentos de histórias) que surgem dentro do enredo principal.
Outro aspeto comum a todos os volumes, mas que surge aqui com um impacto diferente, é a desolação da inevitabilidade. Muitas das personagens parecem estar presas ao mundo em que nasceram, ou a que involuntariamente acabaram por ficar ligadas, mas tudo adquire um impacto maior quando a história e a perspetiva são as de um miúdo que não tem propriamente escolha. Além disso, ao não haver propriamente uma cronologia linear, pois só este livro passa por três épocas diferentes, todo o percurso realça a ideia de um círculo vicioso de crime que se perpetua por não haver alternativas.
O que me leva a outro ponto marcante: que, sendo embora um mundo de crime e de violência, não são os momentos de grande ação e conflito os que mais se entranham na memória. São os de um miúdo que sacrifica a inocência, de alguém que carrega aos ombros o peso de uma grande vergonha, de um espaço em que a única fuga é para o interior de uma história que não existe. Desolação, em suma, a mesma desolação que tão caraterística parece ser de tudo o que estes dois autores tocam.
Não são as histórias mais complexas deste universo e, ainda assim, não lhes falta nada. Têm inocência e emoção, esperança e desolação, expetativas e uma realidade inexorável. E violência e ação quanto baste, mas muito mais além disso. Encaixam, pois, perfeitamente no ciclo de sombras e de intrigas que é este tão fascinante universo. E, como todas as outras, ficam também na memória.

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